Maratona Oscar: Quatro Paredes/Cesar Augusto Mota

Maratona Oscar: Quatro Paredes/Cesar Augusto Mota

A expressão “nadar contra a maré” nunca fez tanto sentido, principalmente nas sociedades em que mulheres oprimidas lutam contra sistemas patriarcais e opressores que a desacreditam e até mesmo a ridicularizam. No documentário escrito e dirigido por Shiori Ito, “Quatro Paredes” irá registrar a luta incessante de uma mulher contra uma sociedade japonesa patriarcal e de regras seculares.

A jornalista Shiori Ito busca justiça por ter sofrido agressão sexual por um jornalista político, um aliado do Primeiro-Ministro do Japão na época do ocorrido. Diante de tantos acolhimentos após muitas dores e traumas, Ito não desistiu de seu propósito de redesignar um sistema jurídico regido por regras de mais de cem anos e bastante passivo. Além do abuso, sofreu intensas torturas psicológicas durante o processo de investigação, o que deixou a jornada mais dolorosa.

O fato por si só já chama a tenção e instiga o espectador a acompanhar um caso de alguém que bate de frente contra uma sociedade machista e opressora, além de tentar derrubar leis consideradas obsoletas para os dias atuais. E outro ponto chamativo está no jogo de imagens, inicialmente a vítima reluta em mostrar o rosto, com de ser estigmatizada e desacreditada, mas a coragem falou mais alto, se tornando um incentivo para novas vítimas fazem denúncias. Segundo dados coletados por Ito, apenas 4% dos casos de estupro no Japão tiveram desfecho.

A obra é didática, um verdadeiro grito contra a passividade, omissão e intolerância, além da busca pelo fortalecimento dos direitos das mulheres, de serem ouvidas, respeitadas e protegidas. Sem medir as consequências e sem receio de seu caso ter o mesmo destino de outros no Japão, Ito, juntamente com o apoio de outras vítimas, da sociedade japonesa e da mídia, foi forte em seu propósito, e serve de inspiração para novos casos.

Indicado na categoria de Oscar de melhor documentário, “Quatro Paredes” é um forte representante asiático na atual temporada de premiações. Merece a conferência e a audiência.

Cotação: 5/5 poltronas.

Maratona Oscar: The Nickel Boys/Cesar Augusto Mota

Maratona Oscar: The Nickel Boys/Cesar Augusto Mota

O cinema americano tem ganho ainda mais destaque na última década pela exploração de fatos históricos e impactantes para o país e que significaram verdadeiros marcos para a humanidade. O Movimento dos Direitos Civis, da década de 60, passa a ser o pano de fundo de ‘The Nickel Boys’, de RaMell Ross, que irá ilustrar uma história impactante, humana e de muita resiliência.

Inspirado em um romance homônimo, de Colson Whitehead, a obra traz a história de Elwood e Turner, dois jovens negros que se conhecem no reformatório Nickel, na Flórida, Estados Unidos. Os dois criam um vínculo sólido e muito poderoso, mas passam a viver momentos sofridos e angustiantes em um ambiente opressor, tendo de passar por verdadeiras provações.

As perspectivas em primeira pessoa dos personagens é um interessante recurso para imprimir uma experiência mais íntima, única e extremamente torturante, tendo em vista o racismo que imperava nos Estados Unidos e que persiste até os dias atuais. O sofrimento e resiliência dos personagens-centrais prendem o espectador do início ao fim, tamanhos foram os abusos e a violência empregada contra os internos da instituição Nickel.

As atuações são viscerais e comoventes, e aliadas com o ótimo trabalho de direção e fotografia e som. Cenas mais dolorosas retratadas pela ótica dos personagens e com pouca sombra deram sensação de melancolia e angústia, e um clima de suspense capaz de prender a atenção para a sequência de ações e suas consequências. As memórias afetivas também são exploradas, mas com sutileza e sem apelações.

Instigante, complexo e impactante, ‘The Nickel Boys’ é um convite a reflexão sobre respeito e o papel de cada um no mundo, bem como as consequências de cada ação em sociedade. A obra concorre ao Oscar 2025 nas categorias de melhor filme e melhor roteiro adaptado, um ótimo concorrente na atual temporada de premiações.

Cotação: 5/5 poltronas.

Por: Cesar Augusto Mota

Maratona Oscar: O Brutalista/Cesar Augusto Mota

Maratona Oscar: O Brutalista/Cesar Augusto Mota

Abordagens sobre períodos difíceis e dolorosos da história da humanidade aliados às condições humanas são, na maioria das vezes, atrativas para fãs de cinema e os apreciadores de reconstituições de fatos reais. Uma abordagem profunda munida de oposições entre ideias e as complexas relações humanas dão forma ao filme ‘O Brutalista’, de Brady Corbet. Estrelas como Adrien Brody e Guy Pearce também são outros atrativos, que prometem mexer com as emoções de quem embarcar nessa jornada de três horas e trinta e seis minutos de projeção.

Os acontecimentos se passam em 1947, que ilustram a busca do arquiteto László Tóth (Brody) e sua esposa por reconstrução após a Hungria ser devastada durante a Segunda Guerra Mundial. László recebe uma proposta de Harrison Van Buren (Pearce), de construir um monumento que exalte a América Moderna e todo o seu simbolismo. Mas o que se vê é uma verdadeira oposição entre a arte e a submissão e exploração e poder.

O roteiro é bastante variado e rico em conteúdo, com abordagens sobre capitalismo, perseguição religiosa, traumas do passado e o sentimento de pressão e culpa por ter de entregar resultados em um cenário que vai contra as próprias crenças. A essência criativa de László também é abordada, de uma forma profunda, sutil, e com uma atuação visceral de Adrien Brody, que foi capaz de sensibilizar o público, com a plateia entrando em seu cérebro, visualizando uma série de nós e o cenário complexo para tentar desatá-los.

A fragilidade do psicológico humano combinado com o anseio de vencer é o verdadeiro golpe de mestre do filme, que tem um desfecho positivo para o protagonista. Brody entrega tudo o que se espera dele, com um personagem de vida sofrida e com uma impressionante superação. Já Pearce é um ótimo antagonista, que tenta sugar até a última gota do personagem-central, sendo um personagem ambicioso, sem escrúpulos e com algumas vulnerabilidades.

‘O Brutalista’ vem forte para a atual temporada de premiações, tendo sido indicado em dez categorias do Oscar, como melhor filme, melhor ator, melhor ator coadjuvante e melhor roteiro original. Uma obra que vai além do entretenimento, vale a pena.

Cotação: 4/5 poltronas.

Por: Cesar Augusto Mota

Maratona Oscar/Poltrona Cabine: Conclave/Anna Barros

Maratona Oscar/Poltrona Cabine: Conclave/Anna Barros

O filme fala sobre a morte de um Papa em condições misteriosas e o conclave para a eleição de um novo papa, que segundo a Igreja Católica, é movido pelo Espírito Santo. Só que acontecem coisas que deixam o decano Lawrence com a pulga atrás da orelha: o encontro do cardeal canadenseTremblay com o papa antes de sua morte, o envolvimento do cardeal Adeyemi da Nigéria com uma freira, a hesitação do cardeal americano Aldo e o surgimento de um cardeal mexicano, Benítez, desconhecido que vive em Cabul, Afeganistão e que o papa anterior o apoiou e pagou seu tratamento num hospital da Suíça. 

O cardeal Lawrence é vivido magistralmente por Ralph Fiennes em mais um papel que pode lhe indicar uma indicação ao Oscar. Seu ar contido, misterioso de um cardeal que dúvida de sua fé e faz de tudo para que a escolha seja a mais acertada é realmente estupendo. Ralph é maravilhoso mais uma vez.

Há uma demora na eleição após seis escrutínios e a ameaça de terrorismo através de uma bomba solta nos arredores do Vaticano que destrói uma parte do teto da Capela Sistina e deixa o cardeal Lawrence assustado levando à um extenso debate o que leva os olhos a Benítez, o cardeal mexicano.

Há uma surpresa no conclave e um final surpreendente e inesperado. Excelente atuação também de John Litgow como o cardeal Tremblay e de Isabella Rosselini como uma freira, fundamental para a solução de alguns mistérios da trama.

Linda fotografia, lindo figurino e uma excelente direção de Edward Berger. Conclave deve ser indicado TB a Melhor Filme do Oscar.

Conclave estreia em todos os cinemas brasileiros dia 23 de janeiro.

5/5 poltronas

Maratona Oscar: As 4 Filhas de Olfa/Cesar Augusto Mota

Maratona Oscar: As 4 Filhas de Olfa/Cesar Augusto Mota

Produzir um documentário e trazer uma grande experiência emocional e envolvente para o público requerem grandes desafios para o realizador, ainda mais se estiverem em cena atores e as pessoas que de fato viveram o fato a ser contado. Com esse formato híbrido, ‘As 4 Filhas de Olfa’, vencedor no Festival de Cannes e indicado ao Oscar de melhor documentário em longa-metragem chega para fisgar o público e prendê-lo do início ao fim da obra.

Acompanhamos o drama de Olfa, uma mulher tunisiana que vive a dor por suas duas filhas mais velhas estarem desaparecidas e a incerteza se um reencontro com elas poderá vir a acontecer um dia. Os momentos mais íntimos de Olfa são captados por atrizes profissionais, imprimindo bastante autenticidade e realismo, com o espectador mergulhando nas complexidades acerca da maternidade e da busca por respostas.

A habilidade da cineasta Kaouther Ben Hania para entregar uma história cativante e comovente impressiona, pois retrata as verdadeiras angústias, dores e incertezas de uma mãe em meio a um cenário caótico que vive a Tunísia, além de abordar temas polêmicos e recorrentes, como machismo, misoginia e o extremismo religioso existente no país. Feridas abertas e ainda não cicatrizadas são bem abordadas, além de um perfeito paralelo com o sumiço de Ghofrane e Rhama.

O uso da metalinguagem, com as interações de Olfa e a atriz que a representa, bem como as profissionais que dão vida às filhas mais velhas, assim como a história da Tunísia sendo abordada em seguida, não só encontram sintonia e harmonia, como servem para ilustrar que Olfa e sua família buscam compreensão, acolhimento e serem enxergadas com humanidade, tamanhas são as dificuldades impostas pela vida, além do drama pessoal de Olfa.

Uma obra de alta carga emocional e bastante convincente, capaz de estabelecer vínculo com a história de mulheres vítimas de atrocidades e ao mesmo tempo gerar empatia e debates sobre a violência e intolerância que assolam o mundo. Uma experiência válida e imersiva para o público brasileiro.

Cotação: 5/5 poltronas.

Por: Cesar Augusto Mota