Retratar na tela grande um dos períodos mais sangrentos da história requer não só ousadia, mas também personalidade e um trabalho com precisão, imparcialidade e escutar todos os lados possíveis. E tudo isso faz o cineasta italiano Nanni Moretti ao lançar o documentário ‘Santiago, Itália’. Sem dúvida um trabalho que sensibiliza e dialoga com o público, tendo em vista a repercussão do fato e suas consequências.
A produção foi vencedora do prêmio Davi de Donatello na categoria Melhor Documentário e Moretti levou o prêmio Nastro d’Argento, concedido pelo Sindicato Nacional dos Jornalistas de Cinema Italianos. ‘Santiago, Itália’ ressalta o papel da embaixada italiana durante o golpe militar ocorrido no Chile que derrubou o presidente Salvador Allende e instituiu uma violenta ditadura no país. Consequentemente, muitos opositores passaram a ser perseguidos pela polícia, presos e torturados e a embaixada da Itália na capital Santiago passou a ter papel importante no acolhimento dessas pessoas.
A montagem do documentário é satisfatória, as primeiras sequências focam no período pré-golpe, quando o Chile gozava de prosperidade e tinha o apoio popular até o dia D, 11 de setembro de 1973, ocasião em que Allende é pressionado a renunciar e o Palácio de La Moneda é bombardeado pelas forças armadas nacionais. Personalidades que viveram esse período fazem seus relatos, dentre eles professores, advogados, cineastas e jornalistas, além dos embaixadores italianos em Santiago da época, Piero De Masi e Roberto Toscano.
Além das imagens de arquivo e depoimentos de entrevistados variados, chama também a atenção um militar preso da época que afirma ter sido uma vítima, além de uma cineasta que conta suas torturas no Estádio Nacional de Santiago. Cada declaração, uma surpresa, uma revelação e também uma angústia. A proposta do diretor não é de levantar bandeiras, mas abordar todos os lados e envolvidos e ilustrar um período que não só mexeu com os brios, mas deixou sequelas em um dos países de grande desenvolvimento da América Latina. Quem entra na sessão não espera muita coisa e se sente diferente ao sair dela, sem dúvida uma grande experiência e com uma pontinha de esperança de progresso da humanidade, tendo em vista que uma embaixada abriu as portas e não só acolheu pessoas vítimas de perseguição, como também mulheres e crianças, uma ação humanitária que merece ser exaltada.
E não poderia esquecer da fotografia, com cores frias e tons preocupados em preservar as memórias da época, além do pouco jogo de luzes em um cenário tão sombrio e de barbárie. Os cenários onde ocorreram as torturas e outras atrocidades foram bem escolhidos, e a trilha sonora que acompanha, de músicas executadas por uma banda servem como bom atenuante, tendo em vista que o terror está ali diante dos nossos olhos.
Um trabalho sensível, impactante e vale ser acompanhado. Alguns fatos conhecidos são trazidos novamente à tona, e outros são revelados, e sequer estão presentes nos livros de História, uma experiência bastante válida e enriquecedora.
Cotação: 4/5 poltronas.
Por: Cesar Augusto Mota

