Poltrona Cabine: O Primeiro Homem/ Cesar Augusto Mota

Poltrona Cabine: O Primeiro Homem/ Cesar Augusto Mota

A chegada do homem à Lua sem dúvida foi um grande acontecimento, senão um dos mais marcantes da história da humanidade. Além disso foi um marco na corrida espacial travada entre Estados Unidos e a antiga União Soviética em plena Guerra Fria. Retratar o fato na tela grande poderia soar como clichê para muitos apaixonados pela sétima arte, mas ‘O Primeiro Homem’ (First Man), novo filme de Damien Chazelle, vencedor do Oscar por’ La La Land: Cantando Estações’, é muito mais do que isso. Não se trata apenas de reproduzir uma ocasião histórica, mas mostrar a vida pessoal do astronauta norte-americano Neil Armstrong e toda a sua jornada para se tornar o primeiro homem a pisar na Lua.

A missão de dar vida à Armstrong ficou com Ryan Gosling, indicado ao Oscar também por ‘La La Land’, voltando a trabalhar com Chazelle. Assim como no filme anterior, o cineasta vai se preocupar em apresentar um personagem masculino dedicado, focado no seu objetivo e disposto a dar o seu melhor. Boa parte da trama será centrada na figura do astronauta, com o máximo de captação de suas emoções e nas consequências de suas escolhas, seja em ambiente familiar, como em sua missão derradeira na Apollo XI, em 1969.

Logo nas primeiras cenas nos deparamos com um drama familiar, e não só o chefe da família, como também a esposa, Janet, vivida por Claire Foy (The Crown) entra em cena para ajudar o núcleo familiar a segurar as pontas e também superar o momento difícil. Não só nesse momento, mas naqueles que concernem às missões espaciais, Janet terá um papel importante, de trazer equilíbrio e estabilidade para a família, afinal, não se sabe se algo vai dar errado e se Armstrong vai ou não voltar para casa. Tudo é mostrado com muita sensibilidade e cuidado, e a montagem e fotografia, sob a responsabilidade de Linus Sandgren, contribuem para inserir o espectador no ambiente familiar de Armstrong, como também em algumas missões, como o Projeto Gemini, Projeto Gemini 8 e Missão Apollo XI.

Quem acompanha a história desde o primeiro ato, percebe que em muitas cenas é usado um filtro que faz o filme parecer ter sido rodado durante a década de 60, época em que se passa a narrativa. Este é um elemento bem convidativo e dotado de beleza estética. Desde o Projeto Gemini, de 1962, o público já vive uma grande experiência imersiva, graças aos planos fechados e concentrados no rosto do protagonista e a câmera em primeira pessoa para dar a sensação à pessoa que está assistindo, que ela faz parte da tripulação e participa efetivamente da missão. A câmera balançando e as luzes piscando causam bastante incômodo, e isso é feito propositadamente para trazer mais realismo à experiência e realçar o risco que cada viagem proporcionava aos astronautas. Tudo realizado de forma precisa e eficiente, sem perder o foco no objetivo maior, da chegada à Lua.

Se a parte técnica chama a atenção, como montagem, fotografia e mixagem de som, as atuações também são outros pontos altos da história. Claire Foy está excelente na pele de Janet Armstrong. Foy ilustrou uma mulher forte em boa parte das cenas e também vulnerável em outras, mas ela se destaca também por sua postura imponente no trato com a imprensa e também com os membros da Nasa em relação aos riscos que o marido e seus companheiros corriam no espaço sideral, ligando o sinal de alerta de todos. Já Ryan Gosling carregou muito bem a trama e soube passar confiança, verdade e coragem com seu personagem. Sua expressão fechada e o sangue frio demonstrados poderiam ser interpretados como indiferença, mas não é o caso, a personalidade de Armstrong é a de um homem calmo e que pouco se abala, mas incisivo, ambicioso e concentrado no que faz, o que chamou muito a atenção. Gosling conseguiu manter o interesse do espectador até o fim e mostrar que é possível enxergar o mundo sob outras perspectivas, maneira como Armstrong via ao seu redor.

Por fim, o trabalho de Damien Chazelle é digno de muitos elogios, seu mérito em ‘O Primeiro Homem’ está nos recursos que utilizou para contar a história pretendida, e não o que seria contado. A sequência de planos, com foco nas cenas internas dos foguetes e os ótimos elementos técnicos empregados trouxeram uma certa nostalgia de voltar a ver filmes passados no espaço, sensação de estar vendo um longa de Stanley Kubrick ou de Alfonso Cuarón. Uma viagem de perfeita contemplação.

Com grande potencial para indicação ao Oscar nos principais prêmios, como o de melhor filme, diretor e ator, ‘O Primeiro Homem’ vem forte e com chances reais e não surpreenderia também se levasse indicação e também estatuetas em mixagem de som, fotografia e montagem. Uma obra-prima a ser contemplada e admirada.

Cotação: 5/5 poltronas.

Por: Cesar Augusto Mota

Elogiado no Festival de Veneza, novo filme de Damien Chazelle ganha cartaz e trailer

Elogiado no Festival de Veneza, novo filme de Damien Chazelle ganha cartaz e trailer

Pensa que foi fácil para Neil Armstrong pisar na Lua? O Primeiro Homem vem aí para mostrar que nem um pouco. Marcando nova colaboração do diretor Damien Chazelle com Ryan Gosling, que interpreta o protagonista, a cinebiografia do astronauta ganhou novo trailer bem dramático e com muita cara de algo feito nos anos 1960, época em que se passa a trama.

Considerando o tema, os envolvidos e as prévias, o longa-metragem já desponta como um dos favoritos ao próximo Oscar, e os críticos que conferiram as primeiras exibições no Festival de Veneza corroboram o prognóstico. A Variety disse que o filme “é tão imersivo […] que faz dramas espaciais como Apollo 13 parecerem show de fantoches”; o Hollywood Reporter elogiou bastante a performance de Gosling e afirmou que o “sóbrio e contemplativo filme tem envolvimento emocional, tensão visceral, suspense e impressionante técnica”; e o The Guardian o descreveu como “visualmente arrebatador e dramaticamente conservador”, dando nota 4, de 5.

O Primeiro Homem, que tem elenco composto por Claire Foy, Pablo Schreiber, Jason Clarke, Corey Stoll e Kyle Chandler, estreia no Brasil dia 11 de outubro. Confira também o novo cartaz:

TRAILER:

Crédito da foto: Divulgação

Fonte: Adoro Cinema

Poltrona Resenha: Blade Runner 2049/ Pablo Bazarello

Poltrona Resenha: Blade Runner 2049/ Pablo Bazarello

Villeneuve, para, que tá chato!

Por Pablo Bazarello

Quando Blade Runner – O Caçador de Androides foi lançado nos cinemas em 1982, sua recepção foi no mínimo fria por parte do público e também dos críticos, que não entenderam na época sua importância e influência para o gênero. De fato, Blade Runner ainda hoje surge como caso de estudo, mostrando o quão importantes são as bem vindas revisões de obras cinematográficas, para filmes em questão e também para os próprios avaliadores. É o olhar fora de seu tempo.

Blade Runner então era redescoberto alguns anos depois de seu lançamento, como se todos tivessem perdido o trem e deixado passar uma pérola de forma despercebida. Este era apenas o terceiro trabalho como diretor para o cinema de Ridley Scott, que meio por acaso escrevia seu nome na história como representante de um gênero que mudava com os novos tempos: a ficção científica. O trabalho anterior do cineasta havia sido Alien – O Oitavo Passageiro (1979), ao lado de Blade Runner formando uma dobradinha de duas das ficções mais significativas e ditadoras de tendência da história do cinema.

Pulamos para 2017, num tempo em que os blockbusters são produções enlatadas, vendidas para as massas através de uma fórmula da qual dificilmente querem se ver livre. Numa época em que muito já foi tentado – pensem só, são mais 35 anos de centenas de filmes lançados por ano – e pouquíssimo nos surpreende como novidade, seja narrativa, seja de roteiro ou estética (o visual). Neste cenário, chega a aguardadíssima sequência de um longa que justamente ajudou a revolucionar a forma como histórias são contadas no cinema – já imaginaram um noir de detetives, passado no futuro, com narração em off, robôs, carros voadores, e a maior das questões de todos os tempos: o que é ser humano? Sim, pois é.

É claro, Blade Runner é baseado no conto do papa da ficção científica Philip K. Dick, com roteiro adaptado por Hampton Fancher e David Webb Peoples (Os 12 Macacos). Para esta continuação, apenas Fancher retorna com um novo argumento e assinando o roteiro, que teve parceria do novato Michael Green (Logan). Para a dificílima tarefa de voltar ao universo da Los Angeles futurística – que se tornou sinônimo de direção de arte inovadora – de replicantes e seus caçadores, entra em cena um dos contadores de histórias mais talentosos da atualidade, o franco-canadense Denis Villeneuve. O diretor é daqueles que gosta de desafios, criando obras bem diferentes uma da outra e passeando por variados gêneros nos quais imprime sua pegada. Não poderia haver escolha mais satisfatória para não deixar Blade Runner se tornar uma obra fácil e de consumo rápido.

Da equipe original, além do roteirista Fancher, apenas Ridley Scott na produção e alguns rostos bem conhecidos no elenco. A direção de arte de Lawrence G. Paull, por exemplo, foi substituída pela de Dennis Gassner, que cria uma Los Angeles ainda mais sombria, igualmente chuvosa, mas demonstra que nesses quase 40 anos, a Terra, como era de se esperar, sofre de superpopulação. Percebemos através de algumas tomadas que uma grande área da cidade se tornou uma gigantesca favela, com um amontoado de pequenas casas, todas no mesmo plano. Até a residência do protagonista, o agente K (Ryan Gosling), é similar a um conjunto habitacional, onde os vizinhos não são os mais amistosos.

A fotografia de Jordan Cronenweth, falecido em 1996, dá lugar para a de Roger Deakins, considerado um dos melhores fotógrafos do cinema atualmente e dono de 13 indicações (incluindo Sicario: Terra de Ninguém), mas que ainda, injustamente, não possui uma estatueta do Oscar em casa. Quem sabe Blade Runner 2049 faça jus a este profissional. Basta dizer que o trabalho de Deakins no longa é bom neste nível. São inúmeras sequências de tirar o fôlego, que só não sobressaem ao filme em si, pela mão forte na condução de Villeneuve. Já a inesquecível trilha de Vangelis no filme original é homenageada na medida certa pela dupla Hans Zimmer (que não esquece seus esporros histriônicos) e Benjamin Wallfisch.

Na trama, Ryan Gosling interpreta o agente K. Ele é um Blade Runner, oficial designado a encontrar e eliminar replicantes infratores, ou seja, seres artificiais que não possuem autorização para fazer ou viver da forma que estão. Logo na cena de abertura, o oficial irá confrontar o personagem do grandalhão Dave Bautista, o Drax de Guardiões da Galáxia. Nesta única cena em que aparece, Bautista será essencial e dará o primeiro passo do grande enigma a ser desvendado ao longo de quase 3 horas de projeção (o original tinha 2 horas) – sim, você leu certo!

A esta altura é válido dizer que Blade Runner 2049 não é um blockbuster comum, não é puro escapismo, não é puro entretenimento. Se sua intenção for se distrair, não ter muito em que pensar e quiser apenas esquecer os problemas num filme pipoca de rápido consumo e descarte, procure em outras bandas, o novo Blade Runner não é o filme para você. Esta é uma obra contemplativa, de ritmo deliberadamente lento, que não faz uso de nenhuma grande cena memorável de ação. Blade Runner segue sendo um filme de questões, de mais perguntas do que respostas e de imersão, na qual nos pegaremos pensando dias após o término da exibição.

Existe muito a ser descortinado ainda, mesmo depois da primeira visita. Humildemente, reconheço que precisarei pensar bastante no que assisti hoje para tentar fazer jus, este texto com certeza não fará. Ao mesmo tempo, já posso adiantar que há muito não assistia a uma superprodução tão minuciosa e, por que não, sofisticada quanto o novo Blade Runner. As comparações com Mad Max: Estrada da Fúria (2015) são justas, no sentido de que ambas são blockbusters fora de seu tempo, presos a uma época em que cinema era arte bem cuidada e o entretenimento vinha depois. Hoje é o inverso, e filmes como estes causam estranheza, e o pior, comparações e desmerecimento com superproduções ordinárias.

A verdade é que eu poderia falar o dia todo sobre o novo Blade Runner, mas preciso ir direto ao ponto. Ryan Gosling se sai bem como o protagonista, no entanto, não é dono do melhor personagem ou cria empatia suficiente. Ao contrário do Deckard de Harrison Ford no filme original, o K de Gosling nos faz assistir a esta trama de fora. Sim, Harrison entra em cena, mas aos, digamos, 30 minutos do segundo tempo, dando uma guinada inclusive no estilo de filme e em seu teor, algo mais caloroso e emocional, em contraponto com a atmosfera quase gelada que era apresentada.

Jared Leto vive o enigmático criador dos seres sintéticos, aparece somente em duas cenas, e assim como o próprio ator / músico seu personagem não faz muito sentido. Quem rouba muito dos momentos são as fortes personagens femininas da trama. A cubana Ana de Armas é Joi, um ser mais artificial ainda que os replicantes, criando uma dinâmica triangular interessantíssima sobre níveis de realismo e virtualidade. A graciosa Mackenzie Davis (de San Junipero, o melhor episódio da fantástica Black Mirror) tem menos tempo em cena do que gostaríamos, mas entrega um dos momentos mais criativos e inovadores em uma ficção científica recheada deles. Por fim, o verdadeiro achado do novo Blade Runner, a holandesa Sylvia Hoeks, que vive Luv, a personagem mais interessante adicionada na nova história – dona de inúmeros subtextos e questões a serem adereçadas – e que surge como subversão de Rachael, a personagem de Sean Young no filme de 1982, parte intrínseca do novo igualmente.

Blade Runner 2049 pode ser chamado de um filme com uma trama simples e linear, mas lembrando que o original resumia-se ao oficial Deckard (Ford) encontrar e eliminar replicantes renegados, que tinham Roy Batty (Rutger Hauer) como líder. Seu diferencial estava nas entrelinhas, no forte teor filosófico e existencialista nos quais suas cenas eram criadas. O mesmo ocorre na nova versão, que vai além e apresenta um mistério que é um verdadeiro “tiro” no quesito “apresentar algo nunca anteriormente visto”. E para quem reclama do cinema Hollywoodiano explicado e mastigado para o público, quero ver saber lidar com 2049, e seu enigma não solucionado. Durma com esse barulho e muito cuidado com o que desejam.

 

Fonte: CinePOP