Poltrona Cabine: A Favorita do Rei/Cesar Augusto Mota

Poltrona Cabine: A Favorita do Rei/Cesar Augusto Mota

Cinebiografias que remetem a momentos de grande impacto na História sempre serão grandes atrativos para os cinéfilos, principalmente a fatos históricos ocorridos na França, berço do cinema. O período escolhido é o da pré-revolução Francesa, com muitas turbulências que culminaram com uma guerra que mudou para sempre a humanidade. Dirigido e protagonizado por Maïwenn, “A Favorita do Rei” ilustra uma personagem que mexeu com as estruturas da realeza francesa e pôs o Rei Luís XV (Johnny Depp), em maus lençóis.

Somos transportados para os últimos anos da monarquia francesa, com a trajetória fascinante de Jeanne Vaubernier, ou Jeanne du Barry (Maïwenn). De origem humilde, Jeanne vai galgando degraus e acaba conquistando um lugar na corte como uma das favoritas do rei Luís XV(Depp), desafiando as normas, costumes e valores de uma sociedade hierárquica e conservadora.

Um ponto forte do filme é ilustrar a força feminina diante de uma sociedade predominantemente masculina. A abordagem da desigualdade social e o racismo não ficam de fora, com a ilustração de uma corte imponente frente às tensões sociais da França do século XVIII. Maïwen mostra como Jeanne Du Barry superou as barreiras sociais e faz um paralelo sobre poder e gênero. A cineasta realiza uma abordagem sensível e necessária sobre questões como preconceito e misoginia, que persistem até os dias atuais.

A produção visual é feita com primor, com estética clássica da França pré-revolução, os palácios e luxos da corte. Os figurinos são bem detalhados, bem como a comida e os usos de costumes da época. Além da história de Jeanne du Barry, há a abordagem do romance dela com o rei Luís XV e uma carga dramática elevada, sobre a resiliência da protagonista e as tensões da sociedade prestes a romper com a monarquia.

As atuações de Maïwenn e Johnny Depp são de destaque, com a primeira mostrando muita ousadia, dinamismo e personalidade, e o segundo com uma postura introspectiva, um bom contraponto em relação a uma mulher considerada à frente de seu tempo e disposta a quebrar uma grande barreira da época. Não é um filme apenas histórico, mas social, tanto que os debates acerca do papel da mulher na sociedade, os empecilhos por ela enfrentado e a visão de mundo da personagem-central fazem o espectador se esquecer do rei Luís XV, que serve como um personagem que fará a protagonista crescer no decorrer da trama.

Um filme forte, dinâmico e bastante envolvente, “A Favorita do Rei” não proporciona apenas uma viagem no tempo, mas faz o espectador sentir a atmosfera vibrante e tensa da França do século XVIII, bem como o faz se colocar na pele da protagonista e se transportar para o período atual em que vivemos, uma sociedade ainda cheia de preconceitos e muitas amarras a serem desfeitas.

Cotação: 4/5 poltronas.

Por: Cesar Augusto Mota

Poltrona Cabine: Abandonados/Cesar Augusto Mota

Poltrona Cabine: Abandonados/Cesar Augusto Mota

Histórias de sobrevivência e superação sempre garantiram lugar de destaque na sétima arte, ainda mais se inspirados em acontecimentos reais e com filmagens realizadas com realismo e poucos efeitos especiais. “Abandonados” (Abandoned), de John Laing, remete a uma tragédia de 1989 ocorrida em alto mar com um grupo de pessoas que lutaram para sobreviver durante 119 dias.

Quatro homens embarcam em um veleiro que parte da cidade de Picton, na Nova Zelândia, para Tonga, outro país da Oceania. Entretanto, o diário de bordo é drasticamente alterado por uma onda volumosa, que vira o barco de ponta cabeça. Todos tentam se manter vivos à deriva enquanto buscam chegar em terra firme. Na medida em que o tempo passa, os protagonistas passam a enfrentar dificuldades ainda maiores e terão de utilizar todos os recursos disponíveis para escapar com vida.

Um rosto conhecido que está no elenco dessa trama sufocante é Dominic Purcell, que ganhou destaque nos últimos anos na série Prison Break. O ator está acostumado a representar personagens em situações que exigem força física e resiliência, e nesta obra mostrou que sua escalação nessa trama foi uma ótima escolha para o elenco. Os demais atores possuem atuações de destaque e seus personagens mostram que, apesar das diferentes personalidades, conseguem suportar todas as provações.

Um diferencial desse filme é a narração em off, que não fica em perfeita sincronia com o que se passa na tela. Há espaço para a religiosidade na trama, que pode ser um ponto positivo para alguns telespectadores e negativo para outros que possuam outras crenças.  A união do grupo, a criação de laços de amizade e a tentativa de amenização da atmosfera tensa acabam por não se concretizar na narrativa, decepcionando o espectador, que esperava por momentos de descontração e alívio em um cenário deveras desfavorável.

Apesar de bem ritmado e com uma boa estética, o filme apresenta um desfecho que não é dos mais satisfatórios e o último ato da narrativa ocorre de maneira apressada, o que pesa contra uma obra que ilustra superação e resiliência de um grupo em uma situação de risco. Apesar das falhas, é um filme assistível e que mostrou um acontecimento real de maneira fiel, vale a vista.

Cotação: 3,5/5 poltronas.

Por: Cesar Augusto Mota

Poltrona Cabine: No Céu da Pátria Nesse Instante/Cesar Augusto Mota

Poltrona Cabine: No Céu da Pátria Nesse Instante/Cesar Augusto Mota

Obras cinematográficas sobre a história do Brasil vêm atraindo cada vez mais públicos com destaques para o longa-metragem “Real: O Plano por trás da História”, lançado em 2017 e o documentário “Democracia em Vertigem”, que chegou a ser indicado ao Oscar em 2020. “No Céu da Pátria Nesse instante”, de Sandra Kogut, registra mais um importante capítulo em nosso país e que carrega marcas de violência e resistência.

A obra da cineasta carioca ilustra momentos conturbados e de tensão meses antes das eleições de 2022 e que culminaram com a tentativa de golpe de Estado em 08 de janeiro de 2023. Defensores dos candidatos foram motivados pela diretora, instruídos a gravarem com seus celulares uma espécie de diário audiovisual, desde a rotina familiar até os preparativos para o processo eleitoral, como confecção de material e mobilização em prol das respectivas campanhas. Em seguida, são apresentadas imagens da depredação ao Congresso Nacional, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal. Logo, é feito um contraponto entre personalidades escolhidas a dedo pela diretora, dentre elas, Marcelo Freixo, atual presidente da Embratur.

A narrativa é linear, mesclada com imagens de arquivo e depoimentos de pessoas que vivenciaram os fatos citados anteriormente e fortes argumentações de Kogut acerca do ocorrido no processo eleitoral e na tentativa de golpe e abolição do Estado democrático de Direito. Apesar de o espectador perceber qual ideologia política a diretora defende, ela não se esqueceu de dar voz aos dois lados, defensores da direita e da esquerda, como manda uma produção que busca fazer o público ficar a par dos fatos e fazer sua própria reflexão.

Além dos embates pré-eleitorais e a tentativa de golpe, o uso de fake news como fator de desinformação e mobilização das massas também foi abordado. Um instrumento perigoso e que foi nocivo a milhões de pessoas foi impulsionado pelo uso das redes sociais com estratégias de alcance pré-estabelecidas. Na medida em que o documentário foi se desenvolvendo, Sandra Kogut foi reinventando as formas de se desenvolver o produto audiovisual e mostrou como o uso das tecnologias, como o uso de programas para reuniões online e a filmagem por celular, poderia afetar a linguagem utilizada na obra e a forma como ela foi montada.

Um tributo à democracia e um recado para todos os brasileiros, assim que “No Céu da Pátria Nesse Instante” pode ser denominado. Apesar da polarização política e da constante onda de ódio e violência crescerem em progressão geométrica, as instituições democráticas e o país resistem. Mas ainda há muito pela frente, as lutas continuam, mas é sempre bom estar de olhos bem abertos.

Cotação: 5/5 poltronas.

Por: Cesar Augusto Mota

Poltrona Cabine: A Única Sobrevivente/Cesar Augusto Mota

Poltrona Cabine: A Única Sobrevivente/Cesar Augusto Mota

Filmes baseados em histórias reais muitas vezes acabam por atiçar com maior intensidade a curiosidade do espectador, seja para constatar se o que irá ser reproduzido na tela será fiel à realidade ou então ficar por dentro do ocorrido. “A Única Sobrevivente”, produção russa dirigida por Dmitriy Suvorov, se inspira em um acidente aéreo ocorrido há mais de quatro décadas. Será que a obra vai conseguir sensibilizar o público e entregar uma narrativa forte e carregada de emoções?

Em 24 de agosto de 1981, Larisa (Nadezhda Kasleganova) embarca com o marido no voo Na-24, de volta da sua lua de mel. A aeronave colide com um bombardeiro da Força Aérea Soviética cerca de trinta minutos antes do pouso. Presa à fuselagem, Larisa foi a única sobrevivente da tragédia, e ela acorda sozinha em uma floresta e tem de lutar para sobreviver.

Além do acidente em si, o filme consegue retratar bem o regime soviético da época, sob a chancela da KGB, com toda a opressão e tirania do governo russo. Uma obra que transcende ao regime da extinta União Soviética, um caso que foi declarado sigiloso pelas autoridades locais, com os desdobramentos chegando ao conhecimento da sobrevivente apenas dez anos depois.

A narrativa impressiona pela alta carga emocional enfrentada pela protagonista, e o cenário composto por bichos, árvores e o uso de cores frias traduzem o sentimento de perturbação e de medo de Larisa, que mal sabe se ela conseguirá sair dali ou se de fato irá sobreviver. A linguagem corporal da personagem-central prevalece sobre as palavras e é um dos ingredientes que faz o filme ser emocionante e instigante.

A União Soviética também é um personagem nessa história, o contexto de declínio bem apresentado antes do período da Glasnost, proposta por Gorbatchev. Uma autêntica viagem no tempo é realizada e toda a aura hostil e sufocante que a Rússia passou, antes de se tornar uma só nação e ter as quinze repúblicas soviéticas diluídas. A produção é bem chocante e o desfecho é impressionante. Quem não dava nada por esse filem acaba por se surpreender.

Quem é curioso e aficionado por filmes inspirados em situações reais deve ver essa produção, que acaba por entregar um filme de época e regado a muito medo, sofrimento e resistência.

Cotação: 5/5 poltronas.

Por: Cesar Augusto Mota

Poltrona Cabine: Atena/Cesar Augusto Mota

Poltrona Cabine: Atena/Cesar Augusto Mota

Filmes que trazem temas como vingança, impunidade e justiça são cada vez mais explorados pela sétima arte, principalmente no Brasil, país no qual há leis com muitas brechas, um Estado negligente e o sentimento de abandono por conta de um poder Judiciário e Legislativo ineficientes. “Atena”, dirigido por Caco Souza e protagonizado por Mel Lisboa, retrata a realidade de muitas mulheres, que sofrem violência física e psicológica e são vítimas de omissão das autoridades.

Atena(Lisboa), uma mulher que foi abusada pelo pai durante a infância, utiliza sua dor como motivação para combater a violência contra outras mulheres. Juntamente de Helena, uma sobrevivente, forma um grupo que atrai, captura e julga agressores. Carlos (Thiago Fragoso), um jornalista investigativo, acaba por descobrir a organização liderada por Atena e passa a acompanhar as atividades de perto. A vida de Atena toma um novo rumo quando desvenda o paradeiro do pai, em Montevidéu, e com a ajuda de Carlos, parte em busca de vingança.

A obra faz importantes debates sobre os valores sociais defendidos pela protagonista, como as implicações morais de Atena. Até onde pode alguém ir na busca por justiça? Vale ir contra os próprios princípios se não encontra suporte no Estado e no Judiciário? Questões bastante complexas que mexem com o imaginário e as emoções do público, não só dos personagens em tela. O desconforto e ressentimento de Atena são evidentes desde o primeiro ato, e o clima hostil vai aumentando na medida em que se aproxima do clímax, com desdobramentos inimagináveis.

Se a proposta é boa, falta conexão entre eventos no tocante às investigações e há pouca profundidade do personagem dinâmico, ou seja, o repórter Carlos, que poderia ser uma figura decisiva na resolução dos crimes. Além dele, outros personagens são desperdiçados, algumas cenas carecem de coerência e diversas pontas soltas. Falta uma montagem eficiente, uma linguagem cinematográfica que pudesse ser capaz de fisgar o espectador e com identidade própria, sem a necessidade de se recorrer a recursos utilizados em Hollywood, com o uso de flashbacks em cenas recém realizadas e o uso de textos invertidos em telas.

Com uma boa premissa e elenco talentoso, “Atena” peca em sua execução e roteiro frágil, e fica a sensação de que a história ainda não foi finalizada e que terá continuidade. Uma obra que tinha bom potencial, mas que acaba por ser desperdiçado, lamentavelmente.

Cotação: 2,5/5 poltronas.

Por: Cesar Augusto Mota