Poltrona Cabine: Abaixo a Gravidade/ Cesar Augusto Mota

Poltrona Cabine: Abaixo a Gravidade/ Cesar Augusto Mota

 

Quando uma pessoa é acometida por uma doença e sua vida muda vertiginosamente, sente que um meteoro vai cair e tudo vai acabar. E que tal uma obra que retrata esse cenário e que faça lembrar um pouco ‘Melancolia’, de Lars von Trier? Feito de uma forma metafórica, ‘Abaixo a Gravidade’, de Edgard Navarro, apresenta ao público uma explosão recheada de imagens e sons e uma reflexão acerca da vida e da forma como a enxergamos.

Bené, vivido por Everaldo Pontes, vê sua vida mudar com a constatação de uma doença em sua próstata e com a chegada de uma grávida à sua casa na Chapada. Ele se muda para Salvador, separa da garota, que realmente o enxerga como uma figura paterna e não um amante, e transita pela cidade, por vezes buscando ajuda médica ou com a intenção de encontrar novos sentidos para sua existência. Em seguida, Bené divide a narrativa com os mendigos interpretados por Ramon Vane e Fábio Vidal. O primeiro, quebra as esperanças de Bené, o segundo tem o anseio de voar, porém ambos conseguem caminhar em harmonia na história, o que parecia ser improvável.

Há durante a obra um misto de melancolia e alegria e a expectativa de que o mundo poderia ser mais do que é visto e sentido, mas acaba por ser o retrato do colapso, reflexo do caos social e político do nosso país e a incapacidade de as pessoas conviverem harmoniosamente com as outras e aceitarem as diferenças. Bené está disposto a achar a paz espiritual, mas se decepciona ao retornar e durante o caminho encontra pessoas diversas, uma aberta ao inusitado e outra mais contida e cética, como um homem que constrói asas para voar e outro que profetiza o fim dos tempos. São disparidades que nos fazem pensar como poderíamos ter um mundo menos desigual e que tudo começa por nós mesmos.

A representação visual é um dos pontos que mais chama a atenção da produção, com piadas em um muro com a mensagem ‘Exu te ama’, chuva de pétalas de rosa na praça e um helicóptero transportando a estátua de Rodin e a passagem de um asteroide pela Terra. Todas essas ilustrações são propositais e sinalizam que podemos e devemos estar abertos a novidades. O pensador de Rodin aponta que o ser humano se sente constantemente torturado, mas capaz de superar o sofrimento e libertar a alma pela poesia. Bené faz isso durante a obra ao dar asas à imaginação e se visualizar como na imagem do Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci, nu e de braços abertos. Já o asteroide representa a ideia de fim de mundo em face das maldades que nos cercam e da iminência do término da vida causada pela devastação ambiental, também provocada pelo ser humano.

Edgard Navarro nos apresenta uma obra séria, filosófica e necessária aos dias de hoje, pois devemos estar preparados para a renovação provocada pelos tempos, mesmo que nunca abandonemos os velos hábitos. Um filme belo, alegórico, sério e inspirador. Sem dúvida uma experiência grandiosa e que muitos deveriam experimentar.

Cotação: 4/5 poltronas.

Por: Cesar Augusto Mota