Com presença maciça no mercado cinematográfico brasileiro nos últimos anos, os filmes argentinos estão conquistando cada vez mais público por aqui, seja por suas histórias que valorizam as relações familiares, apresentam humor saudável ou por retratar um momento político histórico, com críticas pontuais. E o novo filme de Sebastián Borensztein, ‘A Odisseia dos Tontos’ (La Odisea de los Giles) traz tudo isso, e claro, o astro Ricardo Darín (Koblic), que não poderia faltar.
Inspirado na novela ‘La Noche de la Usina’, de Eduardo Sacheri, a história se passa em agosto de 2001, época de uma forte crise econômica na Argentina, período no qual contas bancárias de milhares de cidadãos chegaram a ser congeladas parcialmente e a grande recessão destruindo os sonhos de nossos hermanos. Um grupo de moradores da província de Buenos Aires se mobiliza para reabrir uma cooperativa agrícola, ‘La Metodica’, e empregar centenas de empregos. Mas tudo vira de pernas para o ar quando eles descobrem que foram roubados por Fortunato Manzi (Andrés Parra), advogado de confiança, com um empréstimo no banco, removendo as economias de todos. Líder da comunidade, Fermín Perlassi (Darín) motiva seus companheiros a fazer justiça e se vingar de Manzi, recuperando tudo o que lhes é de direito, mas para isso vão ter de usar da agilidade, e inteligência e astúcia para localizar o paradeiro do dinheiro e resgatá-lo.
Logo nos primeiros minutos de longa é possível se deparar com o cuidado utilizado na apresentação de cada personagem, com vida simples, poucos recursos e muitos sonhos, como o de ter uma vida melhor. Não apenas as pretensões, mas o apoio familiar e o incentivo de luta constante para se levantar e seguir em frente são constantemente enfatizados, o que faz quem acompanha, comprar a ideia e acompanhar a narrativa com mais atenção. Um grave incidente que envolve a família de Fermín é o impulso que faltava para que a trama tomasse um novo rumo e oferecesse novas emoções e muitas surpresas.
O humor utilizado é simples, sagaz e sem a necessidade de apelação para situações vexatórias. Desde a elaboração do plano para a recuperação da grana da comunidade até o controle de energia da região, vemos situações hilárias, com os personagens se esforçando e mostrando o que cada um tem de melhor. O sentimento de união por uma causa também é outro fator que move a história, além de uma leve crítica ao Estado, que nada fez para amparar as milhares de famílias vítimas da crise financeira que assolava a Argentina na época. Mesmo que uma leve menção ao peronismo tenha ocorrido, não é intenção da obra levantar uma bandeira política, mas a de valorizar a luta dos argentinos pelos direitos aos quais gozam por lei e mostrar que a passividade e a inércia em nada ajudam uma população.
Sem dúvida, os personagens que fazem parte dessa história são a cereja do bolo. Fermín, vivido por Darín, não é um mero porta-voz de um grupo, mas representa uma nação, inconformada com injustiça e sonhos destruídos e disposto a correr atrás do prejuízo, o que motiva a todos. Antonio Fontana (Luis Brandoni), o braço-direito de Fermín, é uma peça importante, a engrenagem da máquina para que o plano de resgate das economias dê certo, e ele se mostra bastante focado na causa, além de muita inteligência e esperteza. Já Rodrigo (Chino Darín), filho de Fermín, mesmo reticente com a causa, acaba por se inserir no grupo e mostra também disposição em lutar junto de sua comunidade, não só por ela, mas pela memória de sua mãe. E o vilão, Manzi, até que é convincente, mas poderia ter isso mais bem explorado, com seu passado tenebroso posto à tona e outros golpes aplicados.
Sem a necessidade do uso de grandes efeitos especiais ou de apresentar super-heróis, o cinema argentino mostra que conquistou de vez o seu lugar, com potencial para oferecer muito entretenimento e histórias que vão além de contos de fadas ou luta de mocinhos contra bandidos. Um cinema que, sem dúvida, muito tem a dizer.
Cotação: 3,5/5 poltronas.
Por: Cesar Augusto Mota
