“A jardinagem é uma metáfora particularmente rica, tanto positiva, quanto negativamente.” Esta afirmação do cineasta Paul Schrader ilustra que a arte de cultivo e cuidados com plantas mostram semelhanças com a vida real, seja por existirem situações agradáveis e merecedoras de curtição, ou de segredos obscuros que seriam ervas daninhas que precisam ser desfeitas e resolvidas de uma vez por todas. ‘Jardim dos Desejos` é um longa cheio de percalços, reflexões e aprendizados que Schrader oferece ao espectador.
Narvel Roth (Joel Redgerton) é um meticuloso horticultor de Gracewood Gardens, bastante dedicado em cuidar da propriedade e em agradar a senhora Norma Haverhill (Sigourney Weaver). O caos começa a se instalar quando Norma exige que Roth aceite Maya (Quintessa Swindell), sua problemática sobrinha-neta, como aprendiz. Um passado violento e sombrio é aos poucos revelado, sendo uma grande ameaça a todos eles.
O recurso de voice over utilizado por Roth não só serve para situar o espectador, como também para fazer um paralelo entre jardinagem e mundo real, com comparações entre a nomenclatura das plantas e situações do cotidiano. O ambiente de Gracewood Gardens, composto por uma estufa e um labirinto recheado de plantas e flores, é uma espécie de alívio para quem acompanha, antes que algum segredo seja revelado. A trilha sonora também é uma válvula de escape, bem como os planos abertos e com pouca luminosidade.
O sentimento de pertencimento a um grupo, a cumplicidade e o amadurecimento são outros temas abordados e ocorrem principalmente pela interação entre Roth e Maya. A relação entre eles, inicialmente entre professor e aprendiz, ganha novos contornos e vemos um crescimento vertiginoso na reta final. A química entre os personagens funciona e a resolução dos conflitos se dá de forma simples e direta, sem rodeios e longe da opção pelo fácil.
A expressão de nossos sentimentos pode se dar por meio de um ofício, e em “Jardim dos Desejos” vemos por meio da jardinagem, que despertou o que havia de melhor nos personagens-centrais, e que serviu para ajudar a desencadear conflitos. Vale a jornada.
Sensação na bilheteria do circuito alternativo no exterior, terror tem sido aclamado como um dos melhores do gênero neste ano
ENTREVISTA COM O DEMÔNIO (Late Night With The Devil) sintoniza o público em uma noite de terror na TV, onde o mundo dos talk shows noturnos encontra com o sobrenatural em uma trama envolvente, divertida e arrepiante. Dirigido pela dupla Colin Cairnes e Cameron Cairnes, o filme oferece uma experiência que promete prender a atenção do início ao fim. Confira o trailer legendado aqui (e na thumbnail abaixo) ou o trailer dublado aqui.
Com estreia no Festival SXSW e uma ótima performance de bilheteria no circuito alternativo no exterior, o filme também se concretiza como um dos terrores mais aclamados de 2024, com uma pontuação de 97% no site de críticas Rotten Tomatoes. No Brasil, será distribuído pela Diamond Films e tem estreia confirmada para o dia 4 de julho.
Na trama, acompanhamos Jack Delroy (David Dastmalchian), apresentador de um talk show que, vendo a audiência do programa despencar e muito desmotivado após a morte de sua esposa, fica desesperado por uma reviravolta em sua carreira.
Determinado a resgatar a fama e reconquistar o público, Jack planeja um especial de Halloween que promete ser inesquecível. No entanto, o que ele não imagina é que está prestes a desencadear forças malignas que ameaçam a sua vida e a de todos os envolvidos no programa.
A atmosfera inicialmente familiar e reconfortante do talk show rapidamente se transforma em algo sinistro e perturbador. David Dastmalchian entrega uma performance cativante no papel de Jack, adicionando muita complexidade ao personagem.
Além de explorar temas como fama, culto à personalidade e o impacto da tecnologia, ENTREVISTA COM O DEMÔNIO mergulha no universo do horror sobrenatural. Os diretores revelaram que a inspiração para o filme vem dos anos 1980, quando eram crianças e assistiam ao “The Don Lane Show”, um programa que mesclava entretenimento com curiosidades sobre o sobrenatural.
Para recriar a autenticidade dos talk shows, a produção adotou uma abordagem meticulosa, tratando cada cena como se fosse uma transmissão daquela época. Longas tomadas e um elenco comprometido ajudam a transmitir a sensação de imprevisibilidade e perigo que permeia todo o filme.
ENTREVISTA COM O DEMÔNIO é mais do que um simples terror; é uma jornada fascinante e assustadora através dos corredores sombrios da mente humana e do mundo sobrenatural. Além de David Dastmalchian, o elenco conta com Laura Gordon, Ian Bliss, Fayssal Bazzi, Ingird Torelli, Rhys Auteri e Georgina Haig.
Sinopse No terror ENTREVISTA COM O DEMÔNIO, o apresentador Jack Delroy (David Dastmalchian) tenta recuperar a audiência de seu programa, que despencou desde a trágica morte de sua esposa. Desesperado pelo sucesso, Jack planeja um especial para o Halloween de 1977, mas o que começa como uma noite de entretenimento se transforma em um pesadelo ao vivo.
Sobre a Diamond Films A Diamond Films é a maior distribuidora independente da América Latina. Fundada em 2010, se destaca por distribuir os melhores filmes independentes da indústria cinematográfica. Atualmente, a empresa atua em sete países da América Latina: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Peru e México. No ano de 2016 começou a atuar no mercado europeu, por meio da sua filial na Espanha. No Brasil desde 2013, a Diamond Films distribuiu títulos como “Os Oito Odiados”, “Moonlight – Sob a Luz do Luar”, “Green Book – O Guia”, “Moonfall – Ameaça Lunar”, “No Ritmo do Coração”, “Spencer”, “A Pior Pessoa do Mundo”, “Órfã 2: A Origem”, “One Piece Film Red”, “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo”, “Fale Comigo”, “Zona de Interesse”, “Anatomia de Uma Queda” e “Guerra Civil”.
Dessa vez vemos Penélope sem a amizade de Eloise que descobriu o que ela fazia nas horas vagas e querendo arrumar um marido. Para isso, ela pediu ajuda do velho amigo Colin Bridgerton. A amizade deles acaba se tornando amor mas Colin demora a enxergar.
Enquanto isso a irmã dele Francesca debuta e se torna o diamante da Rainha Charlotte que tenta encontrar um pretendente pra ela. Mas Francesca acaba de apaixonando por outro.
Daphne não aparece e o visconde, seu irmão e a esposa, aparecem nos primeiros episódios.
Há cenas explicitas. Não dá pra ver com crianças mas é muito bom.
Eu prefiro Rainha Charlotte que é um spin off de Bridgerton, mas vale ver as temporadas.
A segunda parte desta estreia em 13/06.
Na Netflix.
4/5 poltronas
2- Maxton Hall
A série que acompanha o romance proibido entre Ruby (Harriet Herbig-Matten) e James (Damian Hardung) é baseado no romance alemão “Save Me”, de Mona Kasten, 32. A obra faz parte de uma trilogia, lançada em 2018, mas que ainda não está disponível no Brasil. A primeira temporada estreou no dia 17/05. A segunda temporada foi confirmada.
Em Maxton Hall: Um Mundo Entre Nós, uma bolsista de uma escola de elite descobre um segredo de um dos alunos mais poderosos da instituição, que fará de tudo para tentar silenciá-la, mas a relação dos dois se intensifica e vira paixão. Baseada no livro “Save Me”, da autora Mona Kasten, a série alemão conta a história de Ruby Bell (Harriet Herbig-Matten), que é bolsista na renomada escola Maxton Hall. Ela acidentalmente se depara com uma cena escandalosa envolvendo James Beaufort (Damian Hardung), uma dos garotos mais ricos e populares do colégio. O herdeiro tenta comprar seu silêncio e propor acordos para guardar o segredo, mas a negociação entre os dois acaba despertando sentimentos intensos.
Ruby quer ser invisível e está focada em entrar em Oxford. James é rico, de uma família abastada, arrogante e muito cobrado pelo pai. Não sabe de verdade o que quer da vida.
Eles se esbarram no comitê de formatura da escola. James é punido por aprontar na festa anterior ao levar stripers. Também é afastado do time de lacrosse da escola. No começo se odeiam e depois se apaixonam.
É uma Elite melhorada. A primeira temporada está disponível e a segunda chega logo. A escola parece Hogwarts de Harry Potter. Série alemã geralmente é muito boa, vídeo Dark, da Netflix.
A série é realmente muito boa, envolvente. No episódio 2 tem uma homenagem ao vestido de casamento de Claire Fraser de Outlander.
Na Prime Vídeo.
4/5 poltronas
3- Tartarugas até lá embaixo
Filme baseado no livro homônimo de John Green.
A história acompanha a jornada de Aza Holmes, uma menina de 16 anos que sai em busca de um bilionário misteriosamente desaparecido – quem encontrá-lo receberá uma polpuda recompensa em dinheiro – enquanto tenta lidar com o próprio transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e ansiedade.
O filme é MT bom. É reflexivo demais. Fala de relacionamentos, transtornos mentais e amizade. Além de propósitos de carreira.
Festival de Cannes: ‘Anora’, de Sean Baker, ganha Palma de Ouro; veja lista de vencedores em 2024 Prêmio do júri e o de atuação feminina foram dados a ‘Emilia Perez’; cineasta iraniano Mohammad Rasoulof levou prêmio especial
Sean Baker, diretor que venceu a Palma de Ouro do Festival de Cannes em 2024 pelo filme ‘Anora’ Foto: Stephane Mahe/REUTERS
O Festival de Cannes chegou ao fim neste sábado, 25, com o anúncio da lista de vencedores e o ganhador da Palma de Ouro em 2024: Anora, do estadunidense Sean Baker.
Ele destaca, porém, que busca por personagens imperfeitos, portadores de problemas mundanos: “Não posso simplesmente fazer – e perdoem minha expressão – uma história de ‘prostituta com o coração de ouro'”. para ler mais sobre a carreira de Sean Baker.
Outros destaques do Festival de Cannes em 2024Miguel Gomes levou a melhor como diretor com o Prix de la Mise en scène por Grand Tour. O Grand Prix do Festival de Cannes ficou para All We Imagine As Light, da diretora indiana Payal Kapadia. Já Mohammad Rasoulof, que foi condenado por oito anos no Irã por “crimes contra a segurança nacional” por produzir filmes sem autorização do governo, recebeu um prêmio especial neste ano.
Os destaques de atuação ficaram para Jesse Plemons, de Kinds of Kindness, e um prêmio conjunto para cinco atrizes que integraram o elenco do longa Emilia Pérez: Adriana Paz, Zoe Saldaña, Selena Gomez. e Karla Sofía Gascón. Esta última, inclusive, foi a primeira mulher transgênero a ser premiada na categoria, e dedicou a estatueta “a todas as pessoas trans, que sofrem todos os dias”.
O Brasil também esteve presente no Festival de Cannes em 2024 com a exibição do longa Motel Destino, de Karim Aïnouz. para ler mais sobre a trama e uma entrevista com o diretor.
Os vencedores do Festival de Cannes em 2024
Palma de Ouro: Anora (Sean Baker) Grand Prix: All We Imagine As Light (Payal Kapadia) Prix du Jury (prêmio do júri): Emilia Pérez (Jacques Audiard) Prix de la Mise en scène (melhor diretor): Grand Tour (Miguel Gomes) Prix Spécial: The Seed Of The Sacred Fig (Mohammad Rasoulof) Prêmio de interpretação masculina: Jesse Plemons (Kinds of Kindness) Prêmio de interpretação feminina: Adriana Paz, Zoe Saldaña, Karla Sofía Gascón, Selena Gomez (Emilia Pérez) Prix du Scénario (Roteiro): The Substance (Coralie Fargeat) Caméra d’or (melhor diretor estreante): Armand (Halfdan Ullmann Tøndel) Caméra d’or – menção especial: Mongrel (Wei Liang Chiang e You Qiao Yin) Palma de ouro de curta-metragem: The Man Who Could Not Remain Silent (Nebojša Slijepcevic) Menção Especial de curta-metragem: Bad For a Moment (Daniel Soares) Palma de Ouro honorária: George Lucas
Festival tenta manter o prestígio recuperado após mostrar as tendências do Oscar de 2024 a partir da edição do ano passado. Será que a programação tem força o bastante para repetir o feito?
CANNES – E, no último dia do Festival de Cannes, veio o iraniano Mohammad Rasoulof, que já venceu o Urso de Ouro na Berlinale com O Mal não Existe. As estatísticas mostram que a maioria dos vencedores de Palma de Ouro são exibidos nos últimos dias, e no último dia do festival. The Seed of the Sacred Fig veio confirmar a regra. Habemus Palma, mas é antecipar-se à premiação que ocorrerá neste sábado, 25, à noite, 20h na França, 15h no Brasil.
A palavra final será de Mme. La Présidente, Greta Gerwig, e de seu júri integrado por Hirokazu Kore-eda, Nadine Labaki, Omar Sy.
Nos últimos anos, Cannes vinha perdendo espaço para os festivais que se realizam no segundo semestre, especialmente Veneza, que havia virado o queridinho dos produtores de Hollywood. Com a proximidade do Oscar eles se beneficiavam da vitrine do Lido para tentar emplacar seus filmes nas indicações para os prêmios da Academia.
Mas, este ano algo se passou e o Oscar premiou importantes vencedores de Cannes no ano passado, como Anatomia de Uma Queda, Zona de Interesse. Para Cannes, e para Thierry Frémaux, que organiza a seleção oficial, virou uma questão de honra repetir o feito, ainda mais que este ano marcou o início de uma nova presidência do evento – Iris Knobloch, com certeza, quer mostrar resultados. Thiérry também. Afinal essa está sendo a sua 25ª seleção. Ninguém durou tanto no cargo como ele nesses 77 anos de Cannes.
Nove entre dez jornalistas de cinema – críticos – dirão que a seleção de 2024 foi mais pop. Outros que Frémaux aposentou seus velhos, com exceções. Apostou numa geração intermediária, autores não tão novos, mas que já integraram a seleção oficial anteriormente. E como a presidência está sendo exercida por uma mulher, Greta Gerwig, diretora de Barbie, aumentou um pouco (bem pouco) a representatividade de gênero. Quatro diretoras num total de 23 filmes representam cerca de um sexto da concorrência à Palma.
Outro preferido da crítica jovem – o grego Yorgos Lanthimos – volta a Cannes depois de dois triunfos em Veneza, A Favorita e Pobres Criaturas, agora com um filme em episódios, contando três histórias interpretadas pelo mesmo elenco, incluindo dois atores fieis – Emma Stone e Willem Dafoe. Relatos selvagens, variados tipos de aberrações, a primeira história até que é competente, mas depois é a descida da montanha russa.
Mais horror em The Girl With the Needle, de Magnus Van Horn, uma cria da estética neoexpressionista de Lanthimos. Após a 1ª Guerra, uma mulher cujo marido está no front engravida de um aristocrata dominado pela mãe e termina envolvendo-se com outra mulher que mata bebês. O marido que voltou sem rosto – sim! – da guerra é o único dotado de empatia humana nessa história de monstros, e atrocidades.
Francis Ford Coppola empenhou sua vinícola para financiar, do próprio bolso, o filme com que sonhava há 30 anos. Apesar da beleza visual e de algumas inovações estéticas – à O Fundo do Coração -, o filme metaforiza a queda do Império Romano, transformando Nova York em Nova Roma, onde o arquiteto Adam Driver tenta construir a cidade futura, ideal, enredando-se em jogos de poder. É, rapaz, não é todo mundo que nasce Marlon Brando ou Robert De Niro para virar poderoso chefão. Um eventual prêmio para Megalopolis só se explicará em reconhecimento à carreira do grande Coppola, ou como ajuda para que ele continue produzindo seus vinhos.
Coppola dedica Megalopolis à mulher, Eleanor, que morreu em abril. David Cronenberg também perdeu a mulher e tenta expiar o luto em The Shrouds. Vincent Cassel, que não é parecido com ele, mas ficou igual graças ao corte de cabelo, à postura e uma certa perda de massa física, possui o cemitério onde está enterrada sua mulher. Por meio de um dispositivo eletrônico instalado na cova, pode acompanhar a deterioração do cadáver da falecida. Puro Cronenberg, mas a inspiração foi-se.
Vencedor do prêmio de interpretação em Berlim, em fevereiro, Sebastian Stan é uma aposta para repetir o troféu, agora por sua interpretação como o jovem Donald Trump, de Ali Abbasi. Trump virou o que é pela influência de dois pais, o biológico, e seu mentor, Roy Cohn, que surgiu no macarthismo, escondeu a vida toda a homossexualidade e termina vítima da aids, como sabe quem viu Anjos na América. Melhor, até, do que Stan é Jeremy Strong, que faz Cohn. O Trump de Abbasi é o típico homem que não sabe amar, exceto a si mesmo. Como psicanálise, é elementar. Como cinema, médio.
Ben Whishaw é outro aspirante a melhor ator como o dissidente russo de Limonov, de Kirill Serebrennikov. O cara consegue migrar nos EUA, perder-se em Nova York, mas volta ao império fraturado para fundar um partido de extrema-direita que, o filme não mostra, praticou atrocidades na Guerra do Donbass. Tem um plano sequência elaborado, e maravilhoso, só.
Jia Zhangke segue com sua investigação sobre as mudanças na China. Adapta-as para o tempo da pandemia em Caught by Tides. Apesar de belas cenas – uma certa corrida -, parece um tanto cansado, senão repetitivo. Paolo Sorrentino vale-se de uma bela mulher – a jovem Celeste Dalla Porta – para discutir o que é a etnografia em Parthenope. O filme também tem seus momentos, mas, apesar de uma certa grandiosidade, não vai muito além do básico. Uma mulher que não sabe amar.
Até a sexta, e a chegada de Rasoulof, havia uma acirrada disputa entre The Substance e o musical de Jacques Audiard, Emilia Pérez. Questões identitárias atravessam a obra do diretor, mas nunca como aqui. Um poderoso chefão do narcotráfico quer mudar radicalmente de vida. Seria necessário todo o espaço desse texto para dar conta das reviravoltas da trama, e de gêneros, cinematográficos, e não apenas. Emilia Pérez seria – seria – um bom, senão grande vencedor da Palma. Greta e seu júri ainda podem fazer história premiando a espetacular Karla Sofía Gascón, que seria a primeira mulher atriz trans a vencer o Festival de Cannes.
Senão, o troféu caberia muito bem a Mikey Madison, protagonista de Anora, de Sean Baker. É outro dos grandes filmes dessa edição. A história da stripper americana que se envolve com o herdeiro de um oligarca russo. Casam-se, e a família do rapaz vem para estragar a festa. A mais improvável das histórias de amor, não com o herdeiro. Há redenção para os dejetos humanos do capitalismo.
Um dos maiores filmes dessa edição, e talvez o maior – Grand Tour, do português Miguel Gomes -, foge a qualquer parâmetro de narração hollywoodiana. A estrutura romanesca, o ponto de vista do homem e o da mulher, a implosão da temporalidade – o filme de época passa-se em cenários contemporâneos -, tudo em Grand Tour desafia cânones. Seria uma bela surpresa, mas surpresa será se The Seed of the Sacred Fig não levar o prêmio máximo. Para quem queria horror, o filme tem o da realidade. Feminismo? Logo no começo, o casal, marido e mulher, comemora a promoção dele a investigador dos tribunais revolucionários do Irã.
O próximo passo da evolução poderá ser para juiz. Mas logo, num país em processo de convulsão, começam os problemas, e dentro da casa. As filhas estão conectadas no mundo via redes sociais. O pai invoca Deus. Todo o horror – a brutalidade da repressão – é obra dos inimigos de Deus. Rasoulof fez um filme tenso, assustador. Toda a gosma de The Substance não vale a cena na qual a mãe trata a ferida de uma amiga das filhas. Aqui não há fantástico, o horror da realidade supera o da ficção. Há uma subtrama sobre uma arma que desaparece. O pai, sentindo-se ameaçado, enlouquece. As mulheres da família, unidas, jamais serão vencidas. A Semente da Figueira Sagrada levará? A resposta, no sábado à noite.
Mas cabe um acréscimo. Depois de 30 anos de ausência, a Índia voltou à competição de Cannes, e com um filme dirigido por uma mulher. Uma enfermeira e as demais vidas cruzadas num hospital. Payal Kapadia poderá muito bem entrar nas considerações do júri, nem que sejas pelo título de seu filme. All We Imagine is Light. Tudo o que imaginamos é luz. É uma bela definição do cinema.