
“Após a tempestade, a bonança”. Esse versículo bíblico traduz a trajetória de Delia, a personagem-central de “Ainda Temos o Amanhã” (C’É Ancora Domani’), drama italiano protagonizado e dirigido por Paola Cortellesi. A obra aborda temas sociais e importantes não só na Itália dos anos 40, como também no período contemporâneo, com dose de drama e humor em momentos-chave.
Em uma Roma pós-Segunda Guerra, com a expectativa de recuperação econômica e sentimento de libertação social, vive Delia, uma esposa dedicada e mãe de três filhos. Enquanto o marido Ivano age com postura violenta e autoritária, ela encontra consolo na amiga Marisa. Com perspectiva de dias melhores após a filha Marcella anunciar seu noivado com o jovem Giulio, de uma família de posses e proprietária de um Café em Roma, Delia passa a viver uma grande virada em sua vida após a chegada de uma carta misteriosa. A partir daí, ela passa a questionar seu papel de mãe, sua posição na sociedade romana e a nutrir sentimentos como revolta e busca por libertação.
A obra é retratada em preto e branco para ambientar o público com a Itália que estava se recuperando após derrota na Segunda Guerra e mostrar o quão sofrida era a sociedade italiana da época, marcada por muita miséria, porém otimista por novos dias e melhorias. As mulheres eram resignadas e submissas a seus maridos, já os chefes de família bastante rígidos e focados nas posses e posições sociais. Em meio a esse universo, Delia tenta, do seu jeito, fazer o seu melhor e passar por todos os sofrimentos e privações dentro de casa.
O arco dramático da protagonista dá intensos saltos, mas em um ritmo cadenciado, para ilustrar todas as camadas da personagem, em momentos resignada, em outros mais ressentida, mas sempre esperançosa por dias melhores para si mesma e sua família. Ela encontra seu ponto de virada após conversas mais ríspidas com Marcella, a filha mais velha, e daí por diante busca com mais intensidade seu momento de se libertar da prisão domiciliar que vivia. As agressões eram ilustradas de uma forma menos chocante, com uma vibe musical, para tornar a trama menos traumática, mais dinâmica e instigante.
A atuação e direção de Paola Cortelessi cumprem o que prometem, com um enredo que promove debates importantes sobre as diferenças entre classes sociais, o papel da mulher na sociedade e a capacidade do ser humano em tomar decisões difíceis e em momentos primordiais da vida. O encerramento se dá com um importante acontecimento que mudou para sempre a vida das mulheres italianas e que serviu de inspiração para a transformação e o empoderamento feminino. Um filme didático, emocionante, inspirador e chocante, que vale toda a atenção.
Cotação: 5/5 poltronas.
Por: Cesar Augusto Mota