Poltrona Cabine: Hebe-A Estrela do Brasil/ Cesar Augusto Mota

Poltrona Cabine: Hebe-A Estrela do Brasil/ Cesar Augusto Mota

Abordar o período de transição do Regime Militar para a redemocratização em nosso país é sempre um grande desafio para qualquer cineasta, tendo em vista os resquícios de censura que ainda existiam na veiculação de programas na TV ou em músicas executadas nas estações de rádio. E colocar um ícone, ou simplesmente, a rainha da TV Brasileira em meio a esse cenário, é um prato cheio para grandes debates. ‘Hebe-A Estrela do Brasil’, cuja personagem central é vivida por Andréa Beltrão, é mais que uma cinebiografia, é uma obra que mostra um lado que você não conhecia de Hebe Camargo, aclamada e consagrada pelo público em seus mais de sessenta anos de carreira.

Maio de 1985. Hebe é líder de audiência em seu programa de auditório da TV Bandeirantes, mas os conservadores e autoritários censores ainda estavam em sua cola. Sua produção a alerta para constantes reclamações da censura e possíveis ameaças, mas ela é posta contra a parede por Walter Clark (Danilo Grangheia), poderoso executivo da emissora, que exige mudanças drásticas e cortes em assuntos como política e sexualidade, para evitar riscos, como possível corte na concessão do sinal da emissora, ou a retirada do programa do ar por 30 dias. Disposta a enfrentar seus desafetos e sem se fazer de rogada, ela impõe que o programa seja feito do seu jeito ou nada, até não conseguir mais lutar sozinha contra a perseguição e pedir demissão ao vivo. Ela passa por um período sabático até ser contratada por Silvio Santos (Daniel Boaventura) e ter liberdade de expressão e retorno à televisão, agora no SBT.

Quem já viu Hebe séria no momento que deve ser e aberta para falar sobre qualquer assunto e sem se importar com questionamentos ou ataques, percebe isso nessa obra e muito mais. O público aprecia seus períodos festivos e tresloucados ao lado das amigas Nair Belo (Cláudia Missura) e Lolita Rodrigues (Karine Telles), seu lado superprotetor com o filho Marcelo Camargo (Caio Horowicz) e uma relação conturbada com o marido Lélio Ravagnani (Marco Ricca), com os dois protagonizando cenas pesadíssimas. E não para por aí, o espectador atesta uma bonita relação de cumplicidade e forte amizade com o cabeleireiro Carlucho (Ivo Müller), com quem viveu por 1 anos e o perdeu para a Aids e vê seu lado família durante as reuniões de pauta com sua produção, que dava alguns pitacos e ela sua pitada nos assuntos que poderiam ir ao ar, com o jeito Hebe de ser, ‘do meu próprio jeitinho’, como ela dizia.

Sem dúvida, o lado desafiador de Hebe aos conservadores é o ponto alto dessa obra. Sem hesitar em criticar políticos e falar de corrupção, Hebe encontrou espaço em seu programa para, pela primeira vez, falar de Aids, saúde pública, conversas sobre problemas sociais e mostrar que ela ‘não era de direita ou de esquerda, mas direta’, como se definia. Um filme com potencial para proporcionar debates acalorados sobre a apresentadora, e, claro, de maneira positiva. Vista como uma mulher à frente de seu tempo, Hebe deu sua cara à tapa, combateu o preconceito e estimulou as pessoas a saírem de suas próprias bolhas, estimularem seus lados críticos e a lutar por seus direitos, e isso poucos faziam com coragem e autenticidade como Hebe fazia e incentivava os outros a fazerem.

E para uma cinebiografia tão eficiente funcionar, as atuações funcionarem também. E isso se vê muito bem em Andréa Beltrão, que facilmente vira a chave do humor para o drama, ela consegue emprestar seu lado despojado e expansivo para Hebe e também mostra seu lado sério nos momentos considerados chave, passando muita verdade para a plateia, que compra suas ideias. E Marco Ricca, na pele de Lélio, apimenta ainda mais a obra, apresentando ao público uma faceta do marido de Hebe que era desconhecida por muitos, além de cenas de alta carga dramática, proporcionando muitos sobressaltos.

Um tributo à uma diva e um filme com debates acalorados e saudáveis sobre censura, preconceito e liberdade de expressão. Um filme necessário, bastante atual e uma merecida homenagem à uma mulher que fazia seu trabalho com amor e lutava por seu país. Hebe merece isso e muito mais.

Cotação: 5/5 poltronas.

Por: Cesar Augusto Mota

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