Rei do swing, dono de uma voz contagiante e com uma grande presença de palco, exalando muito brilho e simpatia. Todos esses predicados são poucos para descrever Wilson Simonal, tido como um dos melhores cantores que o Brasil já teve e que foi injustiçado durante o período da Ditadura Militar. A cinebiografia ‘Simonal’, sob direção do estreante Leonardo Domingues, traz momentos grandiosos da carreira do artista, bem como momentos complexos, como as perseguições políticas que sofreu, sua condenação por sequestro e extorsão de seu contador e seu isolamento em decorrência de acusações de que teria delatado amigos como Gilberto Gil e Caetano Veloso ao DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). Uma obra de alto grau de complexidade e que vai exigir uma montagem precisa, além da performance de seu elenco. Será que o resultado é positivo?
Logo de início, o espectador se depara com um jovem Wilson Simonal (Fabrício Boliveira) se apresentando com seu conjunto, o Dry Boys, em bares e festas até serem descobertos por Carlos Imperial (Leandro Hassum), responsável por lançar grandes talentos, dentre eles o rei Roberto Carlos. Contratado inicialmente como secretário de Imperial, Simonal conheceu novos contatos até despertar a atenção de Miéle (João Velho), que teve papel determinante em sua trajetória. Após o sucesso, alcançou um nível que jamais imaginou, tendo inclusive um programa de televisão na TV Record e a assinatura de um contrato com a Shell, sendo o principal nome nas campanhas da multinacional. Mesmo no auge, Simonal passou a sofrer com sua inaptidão para administrar suas finanças, além das denúncias de que teria envolvimento com a ditadura e que estaria colaborando com os militares, o que o levou à decadência e completo isolamento.
Com uma vasta carreira regada de momentos grandiosos e também de polêmicas, reunir tudo em uma produção de 105 minutos não foi uma tarefa fácil. O mérito inicial do filme está na montagem, que faz perfeitas remissões à década de 60 e 70 e com um ótimo trabalho de direção de arte e planos-sequência que valorizam o protagonista e que dão a dimensão do frisson que Wilson Simonal causava cada vez que pisava em um palco diferente, levando a plateia ao delírio. O lado controverso de Simona, como era carinhosamente conhecido por seus amigos, não foi deixado de lado, sendo retratado com todo o cuidado e com todas as faces expostas, desde a menção honrosa que fez a Martin Luther King e o desejo de continuar a alegrar o povo com suas músicas, sem se importar com o sentido e as mensagens contidas nas letras e as possíveis consequências. Dono de personalidade forte, Simonal passou a irritar a imprensa e a incomodar os militares, e isso foi determinante para o triste destino que teve, o ostracismo. O filme não procura fazer juízo de valor, não quer condenar ou tampouco absolver Simonal, mas se ater aos fatos reais, deixando para o espectador a missão de tirar conclusões.
Outros pontos importantes nos quais o filme toca são questão política, assunto do qual Simonal se mostrava em posição neutra, a afirmação do negro no mercado fonográfico, algo até então impensável, além das questões de delações e disseminação de notícias sem provas, as populares ‘fake news’ nos dias atuais. A cinebiografia não se restringe apenas a abordar a qualidade das músicas de Simonal, mas também a de mostrar a dura realidade que o canto enfrentou e que se assemelha a que vivemos hoje, uma sociedade cercada por um alto consumo de notícias e que muitas vezes ganham altas repercussões, além da intolerância com as diferenças ideológicas e o alto grau de consumo em um meio capitalista, o que é demonstrado no filme por Teresa (Isis Valverde), a esposa de Simonal, que não media consequências e também nãos e preocupava em poupar os ganhos da família.
Fabrício Boliveira (Além do Homem) consegue carregar muito bem o filme, sem se esquivar dos momentos mais tensos de Simonal no que tange aos desentendimentos com a imprensa, principalmente com o Jornal Pasquim, além do processo que o cantor enfrentou de sequestro e extorsão, tendo sido posteriormente condenado. O desembaraço no palco e a carga dramática demonstrada nos momentos mais complexos são dignas de elogios, tendo o ator cumprido o propósito da obra, de mostrar Simonal dentro e fora dos palcos, com suas virtudes e defeitos. Outro destaque fica com Isis Valverde (Amor.com), na pele de Teresa, esposa de Simonal. Sua personagem começa timidamente, mas depois demonstra força ao longo da narrativa, uma figura sólida, uma viga mestra na vida do cantor. É graças às intervenções de Teresa que Simonal consegue segurar as pontas e atravessar os momentos mais difíceis de sua carreira, como a prisão e o esquecimento da mídia e do público após as graves denúncias que vieram à tona. Coube a ela impedir que Simonal não se entregasse e encontrasse forças para sair do fundo do poço e fosse em frente.
‘Simonal’ brinda o público com a trajetória de um artista icônico e de grande legado na música brasileira, com uma direção competente e uma obra multifacetada, com todos os desdobramentos possíveis e uma história envolvente. Mesmo com altos e baixos, Wilson Simonal deixa importantes lições, um artista deve se preocupar primeiramente em alegrar seu público, independente da crítica e da imprensa, e sem deixar o braço a torcer.
Cotação: 4/5 poltronas.
Por: Cesar Augusto Mota
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