Que tal um filme que procura valorizar a cultura pop, com carga nostálgica e que dose momentos de humor com outros dramáticos? ‘Bingo: O Rei das Manhãs’, além de ser uma cinebiografia, é um verdadeiro tributo aos anos 1980.
Baseado na história real de Arlindo Barreto, um dos primeiros intérpretes do palhaço Bozo e que passou por momentos conturbados até abandonar de vez a carreira e encontrar redenção na religião, o filme mostrará Vladimir Brichta em dois papéis na história: Bingo, um palhaço irreverente e aposta da emissora TVP na guerra contra a audiência matutina, e Augusto Mendes, um ator de filmes adultos que tenta se reinventar e engrenar de vez na carreira artística e que dará vida ao palhaço.
A montagem é feita de forma eficiente, com um bom equilíbrio de cenas dos bastidores do show do Bingo, os preparativos de Augusto para incorporar o personagem e sua vida particular, mostrando-se um pai amoroso, porém com uma vida boêmia. A direção de arte é primorosa, os cenários do show do Bingo remontam ao original do SBT, além das roupas e também os objetos que eram famosos na época e se fizeram presentes nas casas das pessoas. Quem não se lembra das fitas K7 BASF, que muitos usaram para gravar diversos sucessos, e muitos no lado B? Quem está vendo o filme acredita que se trata realmente dos anos 80, sem falar na popularidade dos programas infantis e das músicas internacionais e as boates lotadas.
Falei em lado A e B da fita K7, o filme possui dois lados. O primeiro, de luta e sucesso de Augusto Mendes como Bingo, e o segundo, da frustração. O ator, mesmo consagrado pela crítica e adorado pelas crianças, não pode ter sua identidade revelada, e não se sente completo. De quebra, começa a se distanciar da família e a ter uma vida desregrada, prejudicando seu relacionamento com o filho. O garoto já não se sentia bem com o sucesso de Bingo, e experimenta momentos tristes e tortuosos na vida. A alegria dá lugar à apreensão e melancolia na vida de Augusto Mendes, que parece ter chegado ao fundo do poço. Os recursos utilizados nas cenas mais dramáticas, com sombras e os holofotes se apagando ao notarmos Bingo sair dos estúdios são de encher os olhos, sem esquecer do trabalho do estreante diretor Daniel Rezende, que soube mesclar os momentos de humor e de drama, sabendo bem como contar uma história e que ela merecia ser contada.
O roteiro mostra que foi feito um estudo completo e cuidadoso da trajetória de Arlindo Barreto e houve preocupação em abordá-la com delicadeza e também com veia cômica, mas nota-se alguns clichês e outras coisas já vistas em outros filmes, não há originalidade propriamente na história. Mas há virtudes não só no trabalho de direção, como também de toda a parte técnica e dos atores.
Vladimir Brichta encarna os dois personagens com maestria, são duas histórias paralelas e que se entrelaçam, o ator consegue transmitir emoção com Augusto, inclusive em cenas mais difíceis, como nas quais o personagem vive na boêmia e sozinho apela para métodos nada satisfatórios para fugir de seus problemas. Não só no drama, ele demonstra que sabe fazer o público rir e ao interpretar Bingo mostra que é possível com talento e improviso, não ser refém do script. Além dele, os personagens de Leandra Leal, a diretora do programa Bingo, Lúcia, uma mulher linha-dura na televisão e religiosa fora, e de Cauã Martins, o filho Gabriel, possuem participações importantes e são fios condutores na trama, essenciais na transformação de Augusto Mendes.
Você ri e se emociona com ‘Bingo: O Rei das Manhãs’, e mesmo que não apresente um roteiro original, se sente nostálgico com uma época que deixou saudade e que infelizmente não volta mais, além de recordar um personagem que fez a alegria e mexeu com o imaginário da garotada. Mas quem não viveu nos anos 80, após ver esse filme vai perceber que foi uma época boa e era saudável e mágico ser criança.
Avaliação: 4/5 Poltronas.
Por: Cesar Augusto Mota