Poltrona Cabine: Filhos/Cesar Augusto Mota

Poltrona Cabine: Filhos/Cesar Augusto Mota

A inserção em uma rotina intensa não só causa desgaste físico, mas há fortes efeitos psicológicos. E se tudo isso mudasse e a nova situação envolvesse uma antiga intriga e que trouxe sérias consequências? É uma verdadeira provação lidar com traumas do passado, um autêntico thriller psicológico. Esse contexto nos apresenta ao filme “Filhos”, do cineasta dinamarquês Gustav Moller, conhecido por apresentar histórias viscerais e atores que mergulham com sensibilidade e intensidade em seus personagens.

Eva (Sidse Babett Knudsen), uma agente penitenciária com uma vida aparentemente comum tem sua vida transformada com um grande dilema: um jovem de seu passado é transferido para a mesma unidade prisional onde trabalha e terá que decidir como irá se comportar agora com a proximidade do rapaz. Sem avisar aos seus superiores, ela acaba por pedir transferência para a mesma ala de Mikkel (Sebastian Bull). Quando o encontro acontece, ocorre um verdadeiro acerto de contas.

A trama não trata apenas de lidar com traumas, mas sede de vingança, com o uso da violência física e psicológica da protagonista sobre seu antigo desafeto, e formas de controlar a situação de intimidação, com o emprego da chantagem. O que acontece em volta não recebe tanto foco, como os trabalhos dos colegas de Eva, mas sim o embate entre ela e Mikkel, a força motriz da narrativa. Na medida que o tempo passa, o clima entre eles vai ficando mais pesado e o sofrimento do antagonista só aumenta.

As expressões faciais e corporais de Eva e Mikkel dizem muito sobre eles, e percebe-se um verdadeiro jogo psicológico entre personagem-central e antagonista, mas há um momento da história que o sentimento de ameaça se inverte, que acaba passando de um para outro. Essa reviravolta dá um novo ânimo à narrativa, que fica em sua boa parte restrita às violências física e psicológica que Mikkel sofre.

Intenso, pesado, angustiante e perturbador. “Filhos” é uma ótima experiência para quem é fã de terror psicológico e curte uma boa narrativa. Além do trauma e da vingança, o prazer pelo sofrimento alheio é um ingrediente a mais nessa obra tão pesada e intrigante que fará o espectador acompanhar com atenção e rever essa produção tão sensível e surpreendente. Merece a curiosidade e a audiência.

Cotação: 5/5 poltronas.

Por: Cesar Augusto Mota

Poltrona Cabine: Crypto-A Aposta Final/Cesar Augusto Mota

Poltrona Cabine: Crypto-A Aposta Final/Cesar Augusto Mota

O campo das apostas está cada dia mais em evidência e com um engajamento monstruoso, principalmente entre os jovens, com a ilusão de promessas de dinheiro fácil. Além de sites esportivos, as criptomoedas, ou bitcoins, também estão nesse universo, e justamente essa moeda virtual faz parte do contexto de “Crypto-A Aposta Final”, de Cutter Hodierne.

O trio de amigos, Billy, Eva e Dom, em um esquema fraudulento, acabaram por perder tudo o que tinham em suas contas bancárias e na esperança de reaver seus ganhos, sequestram o influenciador e bilionário Charles Hegel, que estava por trás do golpe financeiro das criptomoedas. O plano de sequestro é deveras arriscado, colocando a vida dos três jovens em risco.

A mobilização entre amigos e a busca por grana fácil lembra o filme “Homem das Trevas”, no qual há invasão de domicílio, mas as muitas armadilhas colocaram em risco o grupo de jovens. No universo de “Crypto”, há uma situação semelhante, mas acrescida da ideia de fazer justiça com as próprias mãos. Os planos fechados, o uso de cores frias, jumpscares e sombras tornam a aventura emocionante, cheia de adrenalina e uma atmosfera sufocante.

Há importantes temas nessa obra, como as apostas em si, a influência que subcelebridades da internet conseguem exercer sobre o comportamento dos seguidores e o vício que as bets causam nas pessoas. Mesmo sendo um filme americano, o universo das apostas vem sendo bastante explorado no Brasil, tendo até sido tema em CPI. Quem incentiva outros a apostarem muitas vezes nem se dá conta dos efeitos negativos, e quando sentem as perdas já é demasiado tarde.

Uma aventura eletrizante e com desfecho surpreendente, quem não curte apostas online ou não é fã de aventura mesclada com drama, sem dúvida vai gostar desta narrativa, que não visa somente a recuperação dos rendimentos, mas a sobrevivência dos protagonistas. O antagonista não fica atrás, suas atitudes são para serem relembradas por bastante tempo.

Imprevisível, dinâmico e necessário, também podemos definir assim “Crypto-A Aposta Final”, uma obra que tem tudo para alcançar grandes públicos e alcançar grande audiência. Merece sua apreciação.

Cotação: 5/5 poltronas.

Por: Cesar Augusto Mota

Poltrona Cabine: Vermiglio-A Noiva da Montanha/Cesar Augusto Mota

Poltrona Cabine: Vermiglio-A Noiva da Montanha/Cesar Augusto Mota

O cinema italiano sempre é uma atração à parte para o espectador, seja pelos filmes de época ou os contemporâneos com boas críticas sociais. Uma variação como essa motiva o fã da sétima arte e percebe que as produções italianas vão além de histórias sobre máfia e há variedades de narrativas para todo tipo de público. Aclamado no último Festival de Veneza e representante da Itália no Oscar, “Vermiglio-A Noiva da Montanha”, de Maura Delpero, é um filme intimista e de uma bela estética.

A trama se desenvolve em uma vila alpina, em 1944, local não atingido pela Segunda Guerra, e um soldado desertor aproveita para se refugiar na casa de uma família. Pietro não esperava que Lúcia se aproximasse dele, Flávia, a filha mais nova, vê na educação a única maneira de escapar do ambiente autoritário no qual vive sob as rédeas do pai, Cesare. A esposa, Adele, não tem escolha, e fica presa a uma dura rotina e com dupla jornada, de ser mãe e dona de casa.

O plano aberto predomina na maior parte do tempo do filme e a narrativa é dividida em estações, com transições entre as memórias dos personagens e alguns paralelos traçados entre os dramas do passado e os problemas contemporâneos. Uma discussão sobre sociedade patriarcal e os empecilhos que as mulheres tentam superar no dia a dia é feita de forma didática, e deixa o filme ainda mais interessante de se acompanhar. O sentimento de melancolia prevalece nessa transição de estações, são ciclos se encerrando e dando lugar para outros.

Apesar do ritmo lento, a obra é bastante reveladora, mostra o sentimento de resiliência das personagens mulheres e o poder de seguir em frente em meio a um cenário caótico, de pós-guerra e de forte opressão exercida pelos homens. Tudo é abordado de uma forma realista e com bastante delicadeza. As belas paisagens contrastando com a dor dos habitantes do vilarejo, tudo de uma maneira simples e sutil. Momentos de silêncio e linguagem corporal que disseram tudo.

Histórias universais podem ser contadas de diversas formas, e o uso do impacto e da sensibilidade foram as maneiras encontradas por Maura Delpero para mostrar o quão complexa é a vida e que somos cada vez mais fortes e resilientes, não importa qual seja o cenário.

Cotação: 4,5/5 poltronas

Por: Cesar Augusto Mota

Poltrona Cabine: Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá/Cesar Augusto Mota

Poltrona Cabine: Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá/Cesar Augusto Mota

É inegável o papel social e influência que o cinema exerce na vida das pessoas, seja pela transmissão de mensagens, valores e a contagem de histórias como sinônimo de legado e espelho de uma nação. O documentário “Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá”, de Sueli Maxakali, retrata a jornada de reencontro da cineasta com seu pai, Luiz Kaiowá, de quem foi separada ainda pequena no período da Ditadura Militar.

A obra se inicia com a narração de Sueli, de forma sóbria, apresentando cada membro de sua família. Ao falar do pai, relatou um episódio melancólico e que deixou cicatrizes, como o forçado afastamento dele por soldados para Teófilo Otoni, interior de Minas Gerais, permanecendo por lá por quarenta anos. Ele só se reencontrou com a família graças ao trabalho persistente da cineasta por meio do cinema, para relembrar uma parte triste de nosso país e a constante luta dos povos, principalmente os indígenas, por trabalho, moradia e liberdade.

A abordagem sensível que o filme pede aliada à naturalidade das palavras e dos gestos faz o espectador sentir afeto pelos personagens e se encaixar no contexto e no lugar deles diante de lembranças tão terríveis. Se não há muitas interações entre os protagonistas, o ambiente e as palavras ditam a história, que se desenrola em um ritmo cadenciado, dando tempo para o público acompanhar e sentir tudo o que a comunidade indígena Kaiowá sentiu e passou durante quatro décadas.

O uso de poucos recursos para filmar e as tomadas com pouca visibilidade imprimem uma certa simplicidade ao filme e autenticidade às histórias contadas pelos indígenas Kaiowá. Assim como ocorreu com “Ainda Estou Aqui”, o documentário de Sueli Maxakali não só relembra a página mais triste e sangrenta de nossa história como o legado deixado pelos ovos indígenas e a necessidade de deixá-lo vivo para futuras gerações.

Uma importante experiência pela qual o público brasileiro precisa passar, alguns que viveram durante a ditadura para relembrar os momentos de tortura e repressão e quem não viveu para ficar por dentro de um período importante de nossa história. “Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá” é sinônimo de emoção, imersão e autenticidade, a diretora foi capaz de mostrar que é possível contar uma história com precisão e honestidade, mesmo com poucos recursos. O filme é distribuído pela Embaúba Filmes e estreia em 10 de julho nos cinemas brasileiros.

Cotação: 5/5 poltronas.

Por: Cesar Augusto Mota

Poltrona Cabine: Quebrando Regras/Cesar Augusto Mota

Poltrona Cabine: Quebrando Regras/Cesar Augusto Mota

Filmes com palco em países da Ásia Central e do Oriente Médio estão cada vez mais presentes em solo brasileiro, com milhares de espectadores nas salas de exibição apreciando histórias humanistas e cheias de realidade. “Quebrando Regras” (Rule Breakers), de Bill Guttentag, não foge à regra, e conta com a coragem e resistência de mulheres afegãs de romper barreiras e a tradição do país, de ter mulheres submissas em uma sociedade patriarcal.

Inspirada em fatos reais, o longa-metragem conta a história de Roya Mahboob, uma professora ambiciosa e visionária que desafiou a tradição e os costumes afegãos ao fundar uma empresa com foco em tecnologia, a popular startup. Ao recrutar estudantes do Ensino Médio e ensinar robótica às meninas, um tabu começava a ser quebrado, o de educar mulheres e meninas em um meio dominado por homens. A iniciativa de Roya foi considerada revolucionária e inovadora, mas apesar do reconhecimento internacional, surgiram uma série de ameaças, pondo em risco o projeto e a integridade física do grupo.

A estética do filme proporciona muita emoção e é bastante simples, sem exageros, e com comportamentos sérios das protagonistas que inspiraram grandes reflexões. Em um ambiente hostil, a luta e a resistência das personagens, com ações firmes e bastante contundentes levam o público a uma fantástica imersão, além de importantes debates ao longo da trama.

Os temas que são discutidos, como o empoderamento feminino, a igualdade de gênero e a educação como fator de transformação social em situações adversas, são bem representados em tela pelas ações das personagens e um roteiro sólido e abordagem séria e sensível. A obra representa um grito contra o preconceito e símbolo de resistência em um mundo ainda regado por barreiras colocadas pelo próprio ser humano.

“Quebrando Regras” é sinônimo de experiência memorável, de vibração e de uma boa reflexão nos tempos sombrios que vivemos atualmente. Algo para se levar por toda a vida, é muito mais que entretenimento.

Cotação: 5/5 poltronas.

Por: Cesar Augusto Mota