Uma fábula, seja contada por meio de uma animação ou de um stop-motion, sempre chama a atenção dos espectadores e provoca diversas reações, não é mesmo? Conhecido por já ter apresentado uma obra com essa segunda opção e outras com debates sobre temas polêmicos, como ocorreu em O Fantástico Senhor Raposo (2009) e O Grande Hotel Budapeste (2014), o diretor Wes Anderson chega com uma nova produção e rica em assuntos leves, como o amor, a compreensão e a amizade, e outros mais controversos, como corrupção, lavagem cerebral e o uso da ciência para o bem ou para o mal. ‘Ilha dos Cachorros’ (Isle of Dogs) vem com uma premissa interessante e uma história que vai instigar o público.
A narrativa é ambientada em Megasaki, no Japão, 20 anos no futuro, uma cidade cuja população canina cresceu de forma desenfreada e com enormes proporções endêmicas, com surto de febre do focinho e gripe canina. O prefeito Kobayashi, em uma decisão precipitada e autoritária, assina um decreto que ordena a expulsão de todos os cachorros e a contenção de todas as raças, sejam cães de rua ou domesticados. A partir daí, todos os cachorros são capturados e enviados para a Ilha do Lixo, local que acaba se tornando uma colônia de bichinhos exilados. Passados seis meses, o garoto Atari Kobayashi, sobrinho e tutelado do prefeito, resolve sequestrar um pequeno avião para resgatar seu cão de guarda Spot s, e ao chegar à Ilha do Lixo, contará com a ajuda de uma matilha de Cães Alfa, composta por Chief (Bryan Cranston), Rex (Edward Norton), Boss (Bill Murray), King (Bob Balaban) e Duke (Jeff Goldblum). Uma aventura épica em busca do resgate de Spots e que vai mexer com os brios do prefeito Kobayashi e de toda a Megasaki, dominada por seu autoritarismo.
Temos um excelente prólogo e uma precisa divisão da história em quatro partes, com o uso de enquadramentos bem decupados, com grande apelo visual, além da exploração de grandes cenários e um jogo de luzes que trazem bons contrastes e belas texturas nas imagens em 2D. A inserção de elementos da cultura japonesa, como o teatro kabuki, os haicais e o sumô não são meramente para ilustrar, como também para instigar o público, e o uso do flashback serve como elemento explicativo para algumas situações, como a atitude do prefeito de mandar exilar todos os cães da cidade, e o exílio já fazia parte de uma tradição milenar, devidamente colocada na trama e para situar o espectador.
Se a parte gráfica e a fotografia são atraentes, os protagonistas da história, em sua maioria representados por cães, funcionam como autênticas metáforas ao comportamento humano, sendo vítimas de uma verdadeira barbárie, e, para piorar, divididos em castas. Todos eles ganham desenvolvimentos bem aprofundados, principalmente Chief, líder da matilha, inicialmente fechado ao diálogo e discordante de seus companheiros, que passa por uma importante transformação e com um lado inimaginável revelado durante a narrativa. Os personagens humanos também ganham grande importância, como Tracy Walker, uma jovem estudante anticorrupção e a favor do uso da ciência para o desenvolvimento de anticorpos e soros que combatem a gripe que infestou centenas de cães de Megasaki, com participação em momentos cruciais da história. O prefeito Kobayashi, como dito anteriormente, comanda a cidade com mãos de ferro e em dados momentos há uma tentativa de humanizá-lo quando coisas mais sérias acontecem com seu sobrinho Atari, sem contar a campanha de marketing que ele mesmo comanda que todos os cães da cidade são perigosos e precisam ser isolados ou até mesmo eliminados, a depender da enfermidade que possuam e dos danos causados aos humanos. O professor Watanabe, do Partido Ciência e rival na nova eleição para a prefeitura, funciona como um perfeito oponente, mas quem ganha mais holofotes é Tracy, por sua postura firme e destemida, sem se importar com as consequências ao bater de frente com a autoridade máxima de Megasaki.
Uma animação que faz um balanço equilibrado do humor com o drama, traz um leque de temas bem explorados por uma abordagem visual onírica e composta por um conjunto de grandes atores que fazem um trabalho de dublagem eficiente e que realizam uma boa promoção da obra, assim é ‘Ilha dos Cachorros’. Uma opção não só para o público infantil, adequado para todas as idades, vale a pena!
Cotação: 5/5 poltronas.
Por: Cesar Augusto Mota