Maratona Oscar: Adoráveis Mulheres/César Augusto Mota

Maratona Oscar: Adoráveis Mulheres/César Augusto Mota

Ao longo dos séculos, a sociedade evoluiu e passou por diversas transformações, com destaque para o papel da mulher, antes sem espaço, restrita ao ambiente doméstico e vista por algumas classes como uma ameaça por se mostrar inteligente e capaz de alçar voos altos. Disposta a retratar o amadurecimento da mulher em um filme de época, mas com uma roupagem contemporânea, a cineasta Greta Gerwig (Lady Bird: A Hora de Voar) nos brinda com ‘Adoráveis Mulheres’ (Little Women), oitava versão para o cinema, inspirado na obra homônima de Louisa May Wallcott. A produção de Gerwig apresenta três elementos que são a essência da narrativa e compõem um forte tripé: arte, mulheres e dinheiro. Conseguirá mostrar como os três caminham juntos?

Estados Unidos, 1860. Época de intensa Guerra Civil, clima tenso no país, a sociedade norte-americana é conservadora, mulheres mal conseguiam grandes empregos e muitas delas eram descartadas logo de cara por conta do gênero. A mulher daquela época, para ser vista como bem-sucedida, teria que optar por dois caminhos: ou se casar com um homem rico ou ser dona de seu próprio negócio e ter um alto patrimônio para sustentar sua família. A segunda opção era vista com mais seriedade por uma das protagonistas, Jo March (Saoirse Ronan), que tinha como sonho ser escritora, mas teve de enfrentar um editor machista, que hesitava em publicar suas histórias e impunha que suas personagens principais deveriam se casar ou morrer no fim da trama. Suas outras irmãs também possuíam objetivos definidos: Amy (Florence Pugh), queria ser pintora, Meg (Emma Watson), uma atriz, e Beth (Eliza Scanlen), pianista. Todas sabiam que tinham que transpor fortes barreiras, como a realidade econômica do período e o preconceito de gênero enraizado na sociedade norte-americana, e o amor que uma tinha pela outra era o principal ingrediente para que elas amadurecessem juntas e fossem fortes em busca de seus sonhos.

Antes de entrar nos conflitos pelos quais as personagens femininas passam, Gerwig faz uma bela apresentação do núcleo familiar March, com quatro irmãs de personalidades distintas, mas muito esperançosas, apesar das dificuldades. A mãe, Mary (Laura Dern), chamada carinhosamente de “mãezinha” por suas herdeiras, é a âncora, consegue imprimir calmaria e transmite mensagens de paz para todas, enquanto esperam o chefe da família, Bob (Bob Odenkirk), voltar da guerra. A tia March (Meryl Streep), é uma educadora rígida e presa aos costumes da época, é ela quem orienta as garotas sobre qual rumo tomar na vida e as cria sob um forte sistema educacional. Em seguida, são feitas convergências das diferentes perspectivas de cada uma das meninas e essas diferenças tornam a experiência cinematográfica ainda mais rica, com bons paralelos e disparidades bem contornadas. O nível intelectual e a força para enfrentar um mundo aparentemente intransponível impressionam, principalmente a personagem de Saoirse Ronan (Duas Rainhas), que movimenta a história e ganha seu próprio brilho na medida em que a linha do tempo vai se estabelecendo e a guerra vai caminhando para seu desfecho.

Além do forte elenco, a transição entre o drama, a comédia e o romance também é evidenciada, o que acaba funcionando. A entrada de Timothée Chalamet (Um Dia de Chuva em Nova York) na trama contribui para que testemunhemos uma história intensa, com leve toque de humor e um triângulo amoroso que consegue resistir por um bom tempo, fazendo o espectador sentir angústia e ansiedade pelo desfecho da vida de Laurie (Chalamet), Amy (Pugh) e Jo (Ronan).  Menção honrosa para Louis Garrel (Um Homem Fiel), que inicialmente ganharia apenas um papel secundário, mas ganha força na reta final e é responsável por uma surpreendente transformação de uma das irmãs March, e ele consegue deixar sua marca, mesmo que tenha aparecido em poucas cenas.

A composição narrativa passa por fortes conflitos sociais e psicológicos dos personagens, mudanças que transformariam para sempre a sociedade americana e a devida importância às lutas das mulheres por reconhecimento e igualdade, similar aos ideais progressistas e feministas que temos hoje. É um filme antigo, mas com um contexto atual, presente no Brasil, na Europa e outras partes do mundo, e isso faz o espectador se identificar com o atual momento em que sua sociedade vive e o faz pensar em quais lições podem ser extraídas da obra de Gerwig, que não é apenas séria e divertida, mas também didática.

O trabalho de montagem e fotografia também merecem o devido crédito, pois por meio da transição de imagens e do tom azulado notamos o estado de êxtase e a expectativa por grandes conquistas das personagens, e também o temor de enfrentar o que estaria por vir. O ritmo é fluido, mas um pouco prejudicado pelo excesso de flashbacks, mas nada que torne a experiência ruim. Grewig consegue mostrar uma história consistente em uma linha do tempo que proporciona muitos sobressaltos e também momentos épicos, e a cineasta consegue extrair dos atores o que cada um tem de melhor, deixando a narrativa mais dinâmica e agradável de se acompanhar. O desfecho é feito de uma forma inteligente, ilustrando a força feminina diante do preconceito e a capacidade de achar soluções inteligentes e alinhadas aos ideais e princípios na busca por seus objetivos.

‘Adoráveis Mulheres’ é uma obra cativante, inspiradora e que motiva o espectador a ampliar seus horizontes acerca do papel da mulher em sociedade e a propor mudanças de panorama sobre o assunto. Um tema que ainda gera polêmicas, mas que aos poucos vai encontrando menos resistência e derrubando muros.

Cotação: 4/5 poltronas.

 

Nota do Editor:  Saoirse Ronan concorre à Melhor Atriz mas não é páreo para Renee Zelwegger em Judy. Florence Pugh está ótima como atriz coadjuvante mas Laura Dern deve ganhar por História de um Casamento. Adoráveis Mulheres pode ganhar em Melhor Figurino. sua diretora, Greta Gerwig, ficou de fora da categoria de Melhor Diretor.

 

Maratona Oscar: Lady Bird-A Hora de Voar/ Cesar Augusto Mota

Maratona Oscar: Lady Bird-A Hora de Voar/ Cesar Augusto Mota

Uma história sobre autodescoberta, aprendizado, crescimento  e o desejo de alçar voos mais altos. Provavelmente você já deve ter visto um filme assim, mas ‘Lady Bird-A Hora de Voar’, de Greta Gerwig (Frances Ha), tem tudo isso e mais um pouco e fará você olhar para si mesmo e para os que estão ao seu redor de uma forma diferente, mais crítica, mais consciente.

Saoirse Ronan (Brooklyn) é Christine McPherson, ou ‘Lady Bird’, como se autodenomina, uma garota nada popular em uma escola católica da cidade de Sacramento, que deseja sair de casa e se livrar de suas raízes locais. Para ela não será nada fácil, pois para bater asas e voar, como sugere seu nome, terá que enfrentar uma grande jornada de amadurecimento, vários entreveros com sua mãe, Marion, interpretada por Laurie Metcalf (The Big Bang Theory), além de lidar com as decepções comuns às jovens de sua idade e superar o último ano do Ensino Médio, o terror da maioria dos adolescentes.

A história começa despretensiosa, mas após a cena da discussão entre Lady Bird e sua mãe no carro, com um breve silêncio, vamos sentir o peso das brigas e o quanto isso vai impactar na personalidade e no futuro da protagonista, além de momentos hilários com amigos e das decepções de Lady Bird com alguns planos frustrados. O roteiro, também assinado por Greta Gerwig, vem com propostas claras, como motivar e provocar o espectador; trazer os dramas e dificuldades adolescentes por um outro prisma, o de enxergar o mundo por sua própria ótica e também a dos outros; além de utilizar diálogos e recursos precisos para transmitir sinceridade à obra e mostrar que a vida é cheia de percalços e que nunca se deve perder a pose. É errando que se aprende, como estamos acostumados a ouvir.

Sem dúvida os calorosos e verborrágicos diálogos entre mãe e filha chamaram mais a atenção durante os 94 minutos de projeção, protagonizados por Saoirse Ronan e Laurie Metcalf. As duas mostraram um entrosamento incrível, além de conseguirem ilustrar um relacionamento tocante e cenas que fizessem o público se autotransportar para o mundo de Lady Bird, com sua criatividade, percepção, sensibilidade a tudo ao seu redor e a ousadia para driblar as situações mais difíceis. Laurie, como mãe da protagonista, apresentou o lado mais tenso do amor materno, além da postura superprotetora e zelosa, fazendo muitas mães se identificarem com ela. Já Saoirse consegue convencer e trazer o público para si, não só pela dificuldade que é o de interpretar uma jovem que está em fase de transição para a vida adulta, como encarar com naturalidade esse papel e passar segurança em suas atitudes, além de seus medos. Saoirse soube equilibrar as virtudes e os defeitos de sua personagem, bem como apresentou soluções inteligentes para seus problemas, além de nos brindar com momentos cômicos e emocionantes ao lado dos amigos. Destaque também para Timothée Chalamet (Me Chame pelo Seu Nome) e Beanie Feldstein (Vizinhos 2), dois amigos que possuem papéis importantes na trajetória de Lady Bird e  que vão cativar o público, tanto pela espontaneidade como pela força de seus personagens.

Investir em uma trama adolescente e contá-la de uma forma honesta, sem melodrama e fazer um se colocar no lugar do outro e entender suas necessidades, não só seus próprios anseios, são os ingredientes para o sucesso de ‘Lady Bird-A Hora de Voar’. Não foi à toa que o filme recebeu importantes indicações ao Oscar, como a de melhor direção, para Greta Gerwig, melhor atriz para Saoirse Ronan e atriz coadjuvante para Laurie Metcalf. Greta acerta a mão em fazer esse tipo de abordagem em seu filme e foge do lugar comum, além das duas atrizes cumprirem muito bem seus papéis e chamarem a atenção do público em geral. Um longa que alcançou voos altos, e que pode conseguir muito mais.

Avaliação: 4,5/5 poltronas.

 

 

Por: Cesar Augusto Mota