Em meio a uma enorme onda de escândalos envolvendo abusos e assédio sexual, está prestes a ser lançado um filme que toca nesses pontos e outros importantes e cada vez mais debatidos na nossa sociedade, como o empoderamento feminino e a violência contra a mulher. De quebra, elementos como muita nudez, violência e conteúdo gore, contido no subgênero terror, como muito sangue e vísceras humanas à mostra. Da estreante diretora Coralie Fargeat, ‘Vingança’ (Revenge) produção francesa filmada no Marrocos, traz Matilda Lutz (O Chamado 3) como protagonista em uma narrativa envolvente e ao mesmo tempo perturbadora para os espectadores.
A trama nos mostra Jen (Lutz) , uma jovem bela e sedutora que está aproveitando uma viagem romântica com Richard (Kevin Janssens,) que é interrompida subitamente pelos amigos de caça dele, Stan (Vincent Colombe) e Dimitri (Guillaume Bouchède), que chegam à casa, situada no meio do deserto, mas sem serem convidados. Após uma festa que virou o dia, com muita dança e bebida, Jen acaba por ser violentada por Stan e com a concordância de Dimitri, que nada fez para evitar o ato violento, e de quebra, Jen teve que enfrentar a ira de Richard, seu amante, resultando em um enorme ato de fúria, empurrando-a abaixo de um precipício. Mas, para o azar deles, Jen sobrevive e volta mais forte do que nunca, com sangue nos olhos e disposta a fazer vingança contra seus agressores.
O roteiro toca em assuntos pertinentes, citados no início do texto, além de quebrar um forte paradigma, de que a vítima foi culpada pelo ocorrido e que ela mereceu sofrer todo o tipo de violência e assédio. Jen, que gosta de usar roupas curtas e provocantes, em nossa sociedade seria tachada de diversos adjetivos pejorativos, mas na verdade, se tratava de uma jovem que queria apenas se divertir. Pode sua dança e seu jeito provocante terem dado a entender que ela queria seduzir e ter algo mais sério com Stan, amigo de Richard, mas não são justificativas para que a protagonista sofresse toda a violência vista durante a trama. É um filme que vem em um bom momento, após a explosão de movimentos como o ‘MeToo’ e o ‘Times Up’, voltados contra a cultura sexual e a diferença de gênero em Hollywood e advindos após a era Harvey Weinstein para fazer o homem repensar seus atos em relação a mulher.
O enredo mostra uma protagonista que inicialmente não está bem definida, mas que vai sendo construída durante a história e que sofre grandes transformações, e um elemento importante fará ela encontrar seu ponto mais alto e a trará mais energia na luta contra seus opositores. Os antagonistas, todos eles possuem uma clara postura machista, perceptível desde o início da trama e que vai se acentuar quando se derem conta que Jen sobreviveu e quando vão em sua caçada. Uma história bem estruturada, com poucos personagens, e com personalidades e desejos bem definidos, que fazem o espectador se envolver e acompanhar com toda atenção e ao mesmo tempo com angústia, pois não se sabe o que pode acontecer a cada sequência e tendo em vista a atmosfera violenta criada desde o início. As atuações são convincentes e que beiram ao verossímil.
Além do roteiro e das atuações, outros pontos altos são a fotografia e a montagem, que contribuem para o clima gore da história, com uma perfeita textura de sangue e do corte da pele, trazendo mais realismo às cenas mais violentas e uma atmosfera subversiva. O filme vai num ritmo cadenciado e sem pressa, construindo a trama e seus personagens, mas se intensifica do meio para o fim da história com muitos rastros de sangue, perseguições e planos-sequência que instigam o espectador a ficar ainda mais tenso e horrorizado com o que vê. Filmes sobre estupro e assédio contra a mulher já foram feitos por homens, e agora um novo é produzido sob uma perspectiva diferente, por uma mulher, que quebra velhos dogmas e mostra que as mulhere s estão cada vez mais fortes, são mais ouvidas e que devem ser levadas mais a sério, diferente do apresentado em filmes como ‘A última casa à esquerda ( Wes Craven), ‘Doce vingança’ (Meir Zarchi), ‘Sob o domínio do medo’ (Sam Peckinpah) e ‘Millennium: Os homens que não amavam as mulheres’ (Niels Arden Oplev).
Um filme forte, alucinante, necessário e instigante, ‘Vingança’ vem para colocar o dedo na ferida de fortes males ainda enraizados no meio social e para refletirmos sobre como podemos combatê-lo e até mesmo evitá-lo. Quem gosta de filmes com temáticas sérias e ainda curte muito sangue e cenas violentas, esse é um prato cheio, recomendo fortemente.
Cotação: 4/5 poltronas.
Por: Cesar Augusto Mota