Maratona Oscar: Parasita/César Augusto Mota

Maratona Oscar: Parasita/César Augusto Mota

 

Quer um filme com boa dose sarcástica e que faça críticas sociais e mostre que o meio é capaz de influenciar no comportamento humano? Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, ‘Parasita’ (Parasite), filme sul-coreano de Bong Joo Ho (O Hospedeiro) vem para impactar e fazer o espectador refletir sobre o capitalismo e a constante luta de classes e suas diferenças.

A história apresenta dois núcleos familiares que vivem realidades diferentes. A família Kim, composta por Ki-taek (Song Kang-ho), o pai; Choong-sook (Jang Hye-jin), a mãe e os filhos Ki-woo (Choi Woo-shik) e Ki-jung (Park So-dam) vivem na escala da pobreza e sobrevivem dobrando caixas de pizza. Do outro lado, os Park, uma família rica e que vive na ostentação, com o pai, o senhor Park (Lee Sun-kyun); a mãe, Yeon-kyo (Cho Yeo-jeong) e os filhos Da-hye (Jung Li-so) e Da song (Jung Hyun-joon). Tudo começa a mudar quando Ki-woo, da família Kim, recebe proposta para trabalhar como professor de inglês na mansão dos Park, e o primeiro núcleo começa a elaborar sucessivos planos para cada membro se inserir dentro da casa dos Park e alcançar uma rápida ascensão econômica. Todos os truques feitos de maneira meticulosa e em dados momentos com requintes de crueldade, tudo para os Kim conseguirem se dar bem, não importa o que fizessem.

O roteiro apresenta de início uma narrativa de ritmo lento, em seguida, após as artimanhas dos Kim, vemos não só diferenças de classes, mas também de personalidades, estes são mais secos e fechados, os Park são mais ingênuos e carismáticos. Do segundo para o terceiro ato, o choque no público, que mostra que os atos definem o destino das pessoas e que a vida cobra de cada um, a depender do que cada um faça e a maneira como leva a vida. O contraste é importante para mostrar o quão é absurda e também a enorme lacuna existente na Coréia do Sul. É  feita uma crítica leve, principalmente na apresentação das casas e dos becos nas periferias de Seul. Os Kim usam de piadas para lidar com os problemas do dia a dia e são mostrados como pessoas ambiciosas e sedentas por melhores condições de vida, mesmo que se utilizem da prática de crimes para alcançar seus objetivos.

Outro ponto importante no longa está no olhar para o futuro e a preocupação de cada um dos Kim ao vislumbrar a possibilidade de mudança de classe. Ki-woo chega a cogitar comprar a casa dos Park e a construir família, ele é o mais lúcido de todos, o ponto fora da curva. Do lado dos Park, impressiona a inocência de Yeon-kyo e a relação amistosa com seus empregados, os antigos e também com os Kim, sem suspeitar do que eles tramavam contra sua família. O espectador sente empatia pelos Park e por alguns membros dos Kim, méritos do diretor que conseguiu construir um perfeito contraste entre a classe burguesa e a pobre e ilustrou com precisão o quão dura a realidade pode ser, principalmente no momento em que um forte temporal tomou conta do país.

Com bom equilíbrio entre humor e drama, ‘Parasita’ oferece uma trama envolvente, impactante e que fará o público fazer importantes comparações e interpretações acerca de panoramas sociais tão distópicos, tanto na sociedade oriental como ocidental. Um estudo social importante e necessário nos dias de hoje.

Cotação: 5/5 poltronas.

Nota do Editor: Parasita concorre a seis estatuetas inclusive Melhor Filme e Melhor Filme Estrangeiro. Além de Melhor Diretor, Melhor Montagem, Melhor Roteiro Original. A meu ver, ganha cinco incluindo Melhor Filme e Dor e Glória ganha Melhor Filme Estrangeiro. Excelente filme, impactante. Talvez perca em Diretor para Sam Mendes, de 1917 mas Boon Jo tem muitas chances. Seu filme é bárbaro.

Maratona Oscar: Coringa/César Augusto Motta

Maratona Oscar: Coringa/César Augusto Motta

Em um mundo sombrio e marcado por adversidades, deve-se sempre levar alegria e risos à sociedade”. Esta frase foi dita por um famoso vilão das HQs em uma obra que já está provocando discussões, tanto positivas como negativas. Um dos filmes mais aguardados do ano e vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza, “Coringa” (Joker), de Todd Phillips (Nasce Uma Estrela),mostra o icônico personagem do Universo DC por um outro ângulo, vivido pelo talentoso Joaquin Phoenix (Homem Irracional) que sempre se entrega de corpo e alma aos papéis que lhe são designados. O resultado foi positivo?

Arthur Fleck (Phoenix) é um aspirante a comediante que sofre de um distúrbio neurológico que o faz gargalhar de maneira descontrolada. Ele reside com Penny (Frances Conroy), sua mãe, e tenta levar a vida de uma forma saudável. Apesar de ela o desacreditar da carreira no humor, Arthur não hesita em realizar seu sonho, mas é sempre hostilizado e na medida em que o tempo passa e vai sofrendo violência física e psicológica, seu estado mental piora e ele acaba por se tornar um improvável e verdadeiro perigo para a sociedade.

Logo de início nos deparamos com um Arthur disposto a fazer as pessoas rirem e se esforçando nos shows de stand up, com monólogos e piadas com críticas ácidas a políticos e preconceitos em relação às minorias. Não é um Arthur mau, o causador do caos, mas um homem com sonhos, porém bastante perturbado. Um perfeito estudo psicológico é feito sobre o personagem central, que tenta se mostrar em estado de felicidade, mas que na realidade não goza desse sentimento. Trata-se, portanto, de alguém humilhado, oprimido e em estado de loucura.

Em seguida, notamos que Arthur mergulha de vez em um quadro irreversível quando se envolve em incidentes com policiais que estavam batendo de frente com manifestantes no centro de Gotham contra a candidatura de Thomas Wayne (Brett Cullen) à prefeitura, com mensagens hostis e protestos contra o precário sistema de saúde. De quebra, é humilhado em rede nacional por Murray Franklin (Robert De Niro), apresentador de um talk show, ao mostrar um vídeo de Arthur em seus shows de stand up e o apresentá-lo com deboche e de forma caricata. Isso tudo serviu para agravar seu psicológico e fazê-lo chutar o balde.

O Coringa retratado aqui é um retrato realista de alguém rejeitado e escrachado por uma sociedade marcada pela intolerância e preconceito, e largado às traças. A intenção do filme não foi humanizar o famoso vilão e maior rival do Batman, mas o de mostrar que existem pessoas como Arthur Fleck que sofrem violência e bullying, além de não serem amparadas pelo Estado, com políticos que fazem falsas promessas e que se mostram como salvadores da pátria. Esse é o mundo visto na visão de Arthur, de uma sociedade que o maltrata, mas ele segue por um rumo errado para tentar superar tudo o que o aflige.

E para esse filme funcionar, para essa nova versão do Coringa ser envolvente e impactante, não poderia esquecer de abordar a atuação de Joaquin Phoenix, que deu profundidade ao personagem e apresentou uma impressionante linguagem corporal para ilustrar sua angústia, estado de melancolia e raros momentos de descontração. O corpo magro e com os ossos à mostra, além de seus movimentos bruscos mostram o peso enorme que carrega e todos os seus conflitos internos, sem ficar dependente dos diálogos. A forma como interage, além dos closes feitos em seu rosto e a maneira como olha para a câmera fazem o personagem de Phoenix ter maior aproximação com o público, que vê mais o Arthur Fleck do que propriamente o Coringa.

Em tempos de violência e intolerância, ‘Coringa’ é um filme que liga o sinal de alerta no meio social e mostra que existem muitos Arthurs Fleck ao nosso redor e ao mesmo tempo uma sociedade em meio à corrupção e representantes questionáveis, como retratado na narrativa. Uma produção para dar um choque, chamar a atenção e também para entreter com cenas fortes e alguns momentos cômicos. Em dados momentos, é melhor rir do que chorar de determinada desgraça.

Cotação: 4/5 poltronas.

 

Nota do Editor: Coringa concorre ao Oscar em 11 indicações. É o recordista. E tem, talvez, a grande barbada da noite, a categoria de Melhor Ator para Joaquin Phoenix. Tem chances em Melhor Cabelo e Maquiagem mas concorre também a Melhor Direção, Melhor Fotografia, Melhor Montagem, Melhor Trilha Sonora Oriignal, Melhor Figurino dentre outros.

Maratona Oscar: Adoráveis Mulheres/César Augusto Mota

Maratona Oscar: Adoráveis Mulheres/César Augusto Mota

Ao longo dos séculos, a sociedade evoluiu e passou por diversas transformações, com destaque para o papel da mulher, antes sem espaço, restrita ao ambiente doméstico e vista por algumas classes como uma ameaça por se mostrar inteligente e capaz de alçar voos altos. Disposta a retratar o amadurecimento da mulher em um filme de época, mas com uma roupagem contemporânea, a cineasta Greta Gerwig (Lady Bird: A Hora de Voar) nos brinda com ‘Adoráveis Mulheres’ (Little Women), oitava versão para o cinema, inspirado na obra homônima de Louisa May Wallcott. A produção de Gerwig apresenta três elementos que são a essência da narrativa e compõem um forte tripé: arte, mulheres e dinheiro. Conseguirá mostrar como os três caminham juntos?

Estados Unidos, 1860. Época de intensa Guerra Civil, clima tenso no país, a sociedade norte-americana é conservadora, mulheres mal conseguiam grandes empregos e muitas delas eram descartadas logo de cara por conta do gênero. A mulher daquela época, para ser vista como bem-sucedida, teria que optar por dois caminhos: ou se casar com um homem rico ou ser dona de seu próprio negócio e ter um alto patrimônio para sustentar sua família. A segunda opção era vista com mais seriedade por uma das protagonistas, Jo March (Saoirse Ronan), que tinha como sonho ser escritora, mas teve de enfrentar um editor machista, que hesitava em publicar suas histórias e impunha que suas personagens principais deveriam se casar ou morrer no fim da trama. Suas outras irmãs também possuíam objetivos definidos: Amy (Florence Pugh), queria ser pintora, Meg (Emma Watson), uma atriz, e Beth (Eliza Scanlen), pianista. Todas sabiam que tinham que transpor fortes barreiras, como a realidade econômica do período e o preconceito de gênero enraizado na sociedade norte-americana, e o amor que uma tinha pela outra era o principal ingrediente para que elas amadurecessem juntas e fossem fortes em busca de seus sonhos.

Antes de entrar nos conflitos pelos quais as personagens femininas passam, Gerwig faz uma bela apresentação do núcleo familiar March, com quatro irmãs de personalidades distintas, mas muito esperançosas, apesar das dificuldades. A mãe, Mary (Laura Dern), chamada carinhosamente de “mãezinha” por suas herdeiras, é a âncora, consegue imprimir calmaria e transmite mensagens de paz para todas, enquanto esperam o chefe da família, Bob (Bob Odenkirk), voltar da guerra. A tia March (Meryl Streep), é uma educadora rígida e presa aos costumes da época, é ela quem orienta as garotas sobre qual rumo tomar na vida e as cria sob um forte sistema educacional. Em seguida, são feitas convergências das diferentes perspectivas de cada uma das meninas e essas diferenças tornam a experiência cinematográfica ainda mais rica, com bons paralelos e disparidades bem contornadas. O nível intelectual e a força para enfrentar um mundo aparentemente intransponível impressionam, principalmente a personagem de Saoirse Ronan (Duas Rainhas), que movimenta a história e ganha seu próprio brilho na medida em que a linha do tempo vai se estabelecendo e a guerra vai caminhando para seu desfecho.

Além do forte elenco, a transição entre o drama, a comédia e o romance também é evidenciada, o que acaba funcionando. A entrada de Timothée Chalamet (Um Dia de Chuva em Nova York) na trama contribui para que testemunhemos uma história intensa, com leve toque de humor e um triângulo amoroso que consegue resistir por um bom tempo, fazendo o espectador sentir angústia e ansiedade pelo desfecho da vida de Laurie (Chalamet), Amy (Pugh) e Jo (Ronan).  Menção honrosa para Louis Garrel (Um Homem Fiel), que inicialmente ganharia apenas um papel secundário, mas ganha força na reta final e é responsável por uma surpreendente transformação de uma das irmãs March, e ele consegue deixar sua marca, mesmo que tenha aparecido em poucas cenas.

A composição narrativa passa por fortes conflitos sociais e psicológicos dos personagens, mudanças que transformariam para sempre a sociedade americana e a devida importância às lutas das mulheres por reconhecimento e igualdade, similar aos ideais progressistas e feministas que temos hoje. É um filme antigo, mas com um contexto atual, presente no Brasil, na Europa e outras partes do mundo, e isso faz o espectador se identificar com o atual momento em que sua sociedade vive e o faz pensar em quais lições podem ser extraídas da obra de Gerwig, que não é apenas séria e divertida, mas também didática.

O trabalho de montagem e fotografia também merecem o devido crédito, pois por meio da transição de imagens e do tom azulado notamos o estado de êxtase e a expectativa por grandes conquistas das personagens, e também o temor de enfrentar o que estaria por vir. O ritmo é fluido, mas um pouco prejudicado pelo excesso de flashbacks, mas nada que torne a experiência ruim. Grewig consegue mostrar uma história consistente em uma linha do tempo que proporciona muitos sobressaltos e também momentos épicos, e a cineasta consegue extrair dos atores o que cada um tem de melhor, deixando a narrativa mais dinâmica e agradável de se acompanhar. O desfecho é feito de uma forma inteligente, ilustrando a força feminina diante do preconceito e a capacidade de achar soluções inteligentes e alinhadas aos ideais e princípios na busca por seus objetivos.

‘Adoráveis Mulheres’ é uma obra cativante, inspiradora e que motiva o espectador a ampliar seus horizontes acerca do papel da mulher em sociedade e a propor mudanças de panorama sobre o assunto. Um tema que ainda gera polêmicas, mas que aos poucos vai encontrando menos resistência e derrubando muros.

Cotação: 4/5 poltronas.

 

Nota do Editor:  Saoirse Ronan concorre à Melhor Atriz mas não é páreo para Renee Zelwegger em Judy. Florence Pugh está ótima como atriz coadjuvante mas Laura Dern deve ganhar por História de um Casamento. Adoráveis Mulheres pode ganhar em Melhor Figurino. sua diretora, Greta Gerwig, ficou de fora da categoria de Melhor Diretor.

 

Maratona Oscar: O Escândalo/Pablo Bazarello

Maratona Oscar: O Escândalo/Pablo Bazarello

 

 

Três gerações de mulheres empoderadas brilham em drama

Durante séculos as mulheres lutaram por seus direitos de estarem mais incluídas na sociedade, fosse pelo trabalho ou pelo voto. Mas esta foi apenas a primeira vitória, pois uma nova e mais sórdida continua sendo travada em seus bastidores de emprego. O assédio sexual, moral, o abuso diário sofrido por mulheres nos mais variados âmbitos da vida profissional é uma premissa mais que digna para qualquer obra de arte, sejam livros, séries e produções cinematográficas. E é justamente o mote para este O Escândalo (Bombshell).

Capitaneado pela musa Charlize Theron, que além de protagonizar na pele da jornalista Megyn Kelly, produz o longa ao lado do diretor Jay Roach e do roteirista Charles Randolph, o projeto nasceu de uma história real ocorrida no coração de um dos veículos de extrema direita norte-americano, a Fox News. Por mais controversas que sejam as opiniões dos jornalistas contratados pelo canal (alguns sequer concordando com o que são forçados a dizer em rede nacional – o que cria todo um novo debate sobre jornalismo e moral), o foco do filme não é ideologia política e sim a conduta opressora dentro do local de tralho. E claro, empoderamento feminino.

Voltando ao parágrafo acima, embora não seja o foco, a ideologia não é esquecida, muito pelo contrário. O filme abre bem na época da fervorosa campanha política à presidência norte-americana que elegeu Donald Trump. O presidente dos EUA, como figura polêmica que é, não poderia escapar ileso. O Escândalo abre com a “guerra pessoal” entre a protagonista e o candidato durante uma entrevista. Um dos inúmeros acertos do longa é descortinar os bastidores de uma emissora de TV deste porte, onde o que mais importa são os números. Tal insight jornalístico o coloca ao lado de produções elogiadas como Rede de Intrigas (1976) e Nos Bastidores da Notícia (1987), dadas as devidas proporções.

A trama acompanha três mulheres, jornalistas, em fases diferentes de suas carreiras, mas todas trabalhando para a mesma companhia: Megyn Kelly (Theron) está na crista da onda e é uma das profissionais mais respeitadas da área; Gretchen Carlson (Nicole Kidman) é a veterana tirada do horário nobre para um programa sem muita audiência por não aceitar desaforo – ela se encontra em decadência até de fato ser demitida do canal; e Layla Pospil (Margot Robbie), do trio principal a única personagem criada para o filme, é a nova recém-chegada na emissora, com grandes sonhos e ambições. As três, mesmo sem saber inicialmente, estão ligadas por um ocorrido repugnante, que está intrinsecamente vinculado a suas carreiras profissionais: todas foram assediadas sexualmente pelo chefe, o diretor geral da rede, Roger Ailes (John Lithgow).

Só de termos um trio do porte de Theron, Kidman e Robbie, que são verdadeiramente a nata de suas gerações, já valeria o ingresso. Quando elas entregam atuações empenhadas neste nível, a coisa melhora o sabor consideravelmente. Não por acaso, Theron e Robbie estão indicadas no Globo de Ouro pro ano que vem, e possivelmente verão novas indicações ao Oscar no currículo (e quem sabe Kidman as acompanhe). O elenco de apoio é igualmente espetacular, com destaque para Lithgow, humanizando bastante seu crápula, um dinossauro fora de seu tempo.

O roteiro de Randolph é exímio, e repete as mesmas batidas que já havia entregue em A Grande Aposta (2015), sucesso no Oscar de alguns anos atrás. Seus diálogos expositivos servem para situar a audiência no complexo emaranhado de, não só quem é quem neste jogo, mas também como o jogo funciona. Estes são alguns dos casos onde exposição narrativa é bem-vinda, trabalhando a favor da narrativa e da construção da história. Fora isso, o roteirista tem tempo para construir diálogos memoráveis, os quais iremos repetir ao longo de todo o ano, ou quem sabe para sempre. Alguns dos mais divertidos se encontram na boca da Jess Carr de Kate McKinnon, a colega de trabalho de Robbie. O roteiro favorece o trio e suas coadjuvantes, dando espaço para todas brilharem, além de tratar o tema delicado com a seriedade que ele merece.

A direção de Roach – mais lembrado por ter comandado comédias de sucesso vide a trilogia Austin Powers e Entrando Numa Fria, mas igualmente escolado no cinema político e social, vide Virada no Jogo (2012), Trumbo – Lista Negra (2015) e Até o Fim (2016) – é dinâmica e fluída, movendo o ritmo de forma acelerada, e não dando descanso ao espectador. Seu filme faz com as palavras e trama, o que filmes de super-heróis fazem com a ação para a garotada: que é deixar todos grudados na tela, sem fôlego. Aqui, nos sentimos mais estimulados, por tratar de questionamentos reais e atuais. Só de pensarmos o quão próximo foi o ocorrido (em 2016), é de causar arrepios.

No quesito das escorregas, a principal é a maquiagem que modifica os rostos de Theron e Kidman para deixá-las mais parecidas com suas contrapartes reais. Completamente desnecessário, o artifício mais nos distrai do que ajuda a contar esta história. Afinal, onde está escrito que para dar credibilidade a esta poderosa trama, é necessário que tais mulheres fiquem idênticas às personagens reais. O cinema é magia, faz de conta e saltos de fé. Essa história é mais poderosa do que apenas as mulheres que as envolve, é para todas as mulheres do planeta, e a identificação seriam maior caso víssemos em tela as presenças de Theron e Kidman. Neste caso soa apenas como exercício prático para mostrar o que os profissionais do ramo de próteses, penteados e maquiagem são capazes de fazer. A de Kidman, no entanto, deixa a desejar, soando muito artificial.

Apesar de tal deslize e de uma montagem ligeiramente frouxa, O Escândalo mostra a que veio, indo direto ao ponto como uma faca no coração. Os avessos ao feminismo panfletário ou qualquer discurso unilateral podem descansar sossegados também, o longa não está aqui para unicamente levantar bandeiras, embora seja um filme denúncia. Seus maiores méritos é humanizar seus personagens, humanizando “vilões”, mostrando seu lado bom, e ao mesmo tempo apresentar as falhas das protagonistas, seja no lado da ambição ou na falta de sororidade. Erros que nos faz humanos e não propagandas ambulantes para qualquer causa. O problema existe, é real, deve ser combatido e erradicado. Mas as pessoas continuarão sendo apenas humanas.

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Maratona Oscar: Link Perdido/César Augusto Motta

Maratona Oscar: Link Perdido/César Augusto Motta

Boa parte das animações que acompanhamos não só nos divertem como nos faz deparar com importantes mensagens sobre a vida e o convívio em sociedade. E não é diferente em ‘Link Perdido’, animação do estúdio Laika, em parceria com a Disney, que já produziu ‘Coraline e o Mundo Secreto’ (2009), ‘Paranorman’ (2012), ‘Os Boxtrolls’ (2014) e ‘Kubo e as Cordas Mágicas’ (2016). Mas essa receita também resultará em sucesso sobre um dos mais famosos mitos, o do Pé Grande?

Um dos grandes investigadores de mitos e monstros do mundo, sir Lionel Frost (Hugh Jackman) se vê em um dilema, o de não ser levado a sério por seus colegas e ter barrada sua filiação ao clube de caçadores e lendas. Disposto a mostrar ainda mais força, ele desafia o presidente da organização e tem a intenção de provar que existe o Elo Perdido entre homem e macaco. Mas no meio do caminho terá que se desvencilhar de cúmplices do líder do clube para tentar se sair bem-sucedido em seu objetivo, que se cruza com o de Senhor Link (Zack Galifianakis), que é o de voltar para o convívio de seus ancestrais, nas montanhas do Himalaia.

A animação é feita em stop-motion, com uma grande beleza estética e movimentos sincronizados dos personagens. Os cenários variados contribuem para o dinamismo da aventura, que se inicia no Velho Oeste, passa por Londres, um antigo templo na índia até chegar às montanhas geladas do Himalaia, destino final da história e local onde o Senhor Link deve desembarcar. Suas motivações, apesar de diferentes, acabam por encontrar uma linha em comum, o sentimento de pertencer a um grupo, ou seja, encontrar seu devido lugar no mundo.

Os vilões são um tanto canastrões e pouco trabalhados, e logo são esquecidos durante a trama, cujo foco é o deslocamento de sir Lionel, juntamente de Adelina Fortinight (Zoe Saldana), seu apoio moral, além do Senhor Link. Há poucas reviravoltas, os desdobramentos são previsíveis e a solução do conflito final é demasiadamente fácil, o que significa um balde de água fria em uma narrativa emocionante. Mas esses problemas são compensados com o humor de Link, que vai pelo sentido literal das palavras e pouco entende o que os humanos falam, além de seu jeito estabanado, sempre esbarrando nas coisas e sua personalidade sensível, quebrando a imagem de criatura agressiva que se poderia ter de um Pé Grande.

Se a história de ‘Link Perdido’ não impressiona e por representar mais do mesmo, sua estética, o carisma dos personagens-centrais e a veia cômica são elementos compensadores e proporcionam uma boa diversão, principalmente ao público infantil, que vai se encantar com o Senhor Link e torcer para sir Lionel enfim se encontrar.

Link Perdido ganhou o Golden Globe de Melhor Animação, não ganhou nenhum Annie Award, o Oscar da animação e concorre ao Oscar, podendo ser o grande azarão da noite. Klaus e Toy Story 4 estão à sua frente.

Cotação: 3,5/5 poltronas.