Por: Gabriel Araujo
Os agitados dias do futebol inglês na época das festas, que vão da rodada de Boxing Day aos jogos de Réveillon, alcançaram um novo patamar em 2018: as telas dos streamings. A Netflix lançou neste fim de ano “Sunderland até morrer”, série que, com oito episódios de cerca de 40 minutos cada, conta a história do Sunderland AFC na sequência de seu rebaixamento para a segunda divisão inglesa – a Championship, que o time disputou na última temporada. Possivelmente desenvolvido com a intenção de percorrer os passos do time no retorno à elite, o documentário encontrou alguns percalços na trajetória do time do nordeste inglês para tal. Nada que retire a qualidade do trabalho produzido pela Fulwell 73 – pelo contrário: acrescenta algumas doses de drama e altera os caminhos tradicionais dos registros de um clube específico no cinema ou na TV.
O fã mais atento do futebol britânico certamente se acostumou a assistir o tradicional Sunderland na Premier League, elite do futebol local. Foram 10 anos seguidos na primeira divisão, mesmo que sem grandes brilhos, mantendo uma condição de time médio – que até conta, em sua história de quase 140 anos, com seis títulos da série A nacional (o último em 1936) e duas Copas da Inglaterra (a última em 1973). Recentemente, o Sunderland chegou à final da Copa da Liga, em 2014, além de ter contado com alguns nomes conhecidos: veteranos como O’Shea, Pienaar, Defoe e Lescott; jovens como Pickford, goleiro da seleção inglesa, e Januzaj, da Bélgica; e técnicos como David Moyes, Sam Allardice e Dick Advocaat. Até que, na temporada 2016/17, a crise bateu à porta com força e, com um um desempenho pífio de apenas 24 pontos na Premier League, os Black Cats, como são conhecidos, amargaram a lanterna e acabaram relegados à segunda divisão. É daí que “Sunderland até morrer” parte.
A série é um relato da temporada 2017/18, que inicia-se já na pré-temporada e é prolongado pela participação da equipe na Championship, movida, inicialmente, pelo sonho do retorno à Premiership. Engana-se quem pensa, porém, que só é mostrada uma descrição do que aconteceu em cada jogo ou que trata-se de uma “babação de ovo” para a equipe. A série vai consideravelmente além, transmitindo muitos bastidores do time, no estilo “fly on the wall”, de controle de problemas ao trabalho na janela de transferências, de treinamentos aos vestiários, com participação ativa dos membros da equipe, tanto em cenas quanto em entrevistas que as colorem – sem que se deixe de verificar, é bom frisar, uma visão crítica das situações. Em pouco tempo, o telespectador já se sente próximo do técnico Simon Grayson ou do CEO Martin Bain – talvez, próximo o suficiente para tomar um lado quando Bain não conclui a contratação de um centroavante no deadline da janela e contraria Grayson.
Há, ainda, um mérito grande da produção ao equilibrar as exibições internas do time com as cenas externas, da comunidade. “Sunderland até morrer” não é uma série assentada apenas em versões “oficialescas”. A voz da torcida aparece constantemente no documentário, que faz questão de destacar a importância daquela equipe de futebol para a comunidade de Sunderland, polo naval e mineral em decadência. Uma cidade de quase 200 mil habitantes para a qual, segundo um torcedor logo no início do programa, só restou o time de futebol. O único sucesso possível para Sunderland, eles dizem, está no futebol.
Como dito, muito provavelmente “Sunderland ‘til I die” foi pensada como o documento que dissecaria o trabalho do time na volta à Premier League. Mas o fato é que o Sunderland cambaleou – e muito – na temporada e a série se tornou o relato dramático de um time de estrutura invejável, incluindo a Academy of Light (um CT de primeiro mundo) e o Stadium of Light (estádio idem, para quase 50 mil torcedores), que ainda assim sofre, seja pelo arrocho financeiro determinado pelo dono, seja pelos próprios problemas esportivos internos. Se alguém quiser spoilers do final, basta procurar por “Championship 2017/18” no Google – mas vale a pena, de qualquer forma, acompanhar a série, que é excelente.
Um comentário sobre “Esportes na Poltrona: “Sunderland até morrer””