Por: Gabriel Araujo
A aclamação em torno do mais recente longa de Alfonso Cuarón, o autobiográfico “Roma“, é totalmente justificada. Com uma incrível dose de sensibilidade e pitadas do amargor latino-americano da década de 1970 (o título do filme remete a um bairro da Cidade do México), o lançamento da Netflix já garantiu dois Globos de Ouro ao diretor mexicano e chega ao Oscar indicado a dez categorias – o que já não seria nada mal para um filme americano, é uma fantástica realização para uma produção do México. “Roma” é favoritíssimo (com ‘F’ maiúsculo, diria o outro) ao prêmio de Melhor Filme Estrangeiro, mas não surpreenderia com vitórias em outras categorias, seja por roteiro, edição ou direção.
O filme é protagonizado por Cleo (Yalitzia Aparicio), empregada doméstica de uma família de classe média, da qual Sofía (Marina de Tavira) é matriarca – são quatro crianças na casa. A trama desenrola-se pelas histórias pessoais das duas, especialmente no que tange à gravidez de Cleo e à crise do casamento de Sofía com Antonio (Fernando Grediaga), recorrentemente utilizando como plano de fundo o cuidado para com as crianças.
A edição de “Roma” é absolutamente magistral. Filmado em branco e preto, o longa traz uma fotografia que impressiona. Pode ser, sim, considerado monótono por alguns, mas a capacidade de reflexão a que induz contrapõe-se a qualquer lentidão, especialmente na abordagem de questões sociais e étnicas. Há um bom uso de antíteses para tais reflexões: rico x pobre, confronto evidenciado pela classe-média da família e pela pobreza do bairro onde Cleo procura seu (ex)namorado Fermín (Jorge Antonio Guerrero); americano x mexicano, observado em uma reunião dos latinos com a parcela ianque da família; e mesmo os elementos, céu x terra x água x fogo, que surgem, respectivamente, em filmagens de aviões, nas fezes do cachorro, na lavagem do quintal/na ida à praia e no incêndio do rancho.
Algumas de suas cenas tendem a se marcar na eternidade do cinema, principalmente a belíssima passagem na praia, já na parte final do longa, que tem tocado até os corações mais molengas. Ou mesmo a cena em que a bolsa de Cleo se rompe em meio aos conflitos de uma manifestação de estudantes. São sequências muito poderosas.
Em seu Twitter, o atual detentor do Oscar de Melhor Diretor (e de Melhor Filme), o também mexicano Guillermo del Toro (“A Forma da Água”), fez uma análise de “Roma” em dez postagens. Então, não parece exatamente necessário que o pseudo-crítico deste blog continue a divagar sobre as intensidades de Roma. Clique aqui e leia o que pensa del Toro, que não surpreenderia se tivesse de “passar o bastão” de melhor diretor pela Academia a Cuarón. Se isso de fato ocorrer, seria o quinto Oscar mexicano na categoria apenas nesta década – além de del Toro no ano passado, Alejandro González Iñárritu venceu duas vezes (por “Birdman” e “O Regresso”, em 2015 e 2016, respectivamente) e o próprio Cuáron, que agora apresenta sua obra-prima, faturou por “Gravidade”, em 2014. Impressionante.
Sinopse:
Cidade do México, 1970. A rotina de uma família de classe média é controlada de maneira silenciosa por uma mulher (Yalitza Aparicio), que trabalha como babá e empregada doméstica. Durante um ano, diversos acontecimentos inesperados começam a afetar a vida de todos os moradores da casa, dando origem a uma série de mudanças, coletivas e pessoais.
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